Tiny Bag Of Diamonds



Última atualização: 27/06/2023
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Ano 1 - 2002


Liverpool.
Grandes coisas sempre aconteceram em Liverpool. Nem sempre coisas boas, como o mercado de escravidão, o time de futebol ou o nascimento de The Beatles - bem, essa última parte era apenas verdadeira para uma pequena parte da população. Porém, a verdade é que Liverpool possuía um pouco de magia em suas ruas acinzentadas, em seus grandes monumentos históricos, em suas águas que por muitas gerações foram a grande fonte de sustento das pessoas que ali residiam e continuavam sendo importantes naquela cidade outrora conhecida como "A grande piscina".
Mas as coisas estavam difíceis ultimamente. Mais difíceis do que normalmente estariam. O ano de 2001 foi muito pesado para o mundo, com o atentado terrorista que havia tirado milhares de vidas e confrontos raciais que sempre acabavam de forma violenta. Mas, para o povo de Liverpool, 2001 havia sido um ano particularmente doloroso com a morte precoce de George Harrison, um dos grandes filhos da cidade.
Desde a morte de John Lennon, quase vinte e um anos antes, a cidade não havia passado por tamanho sofrimento coletivo. não estava viva quando Lennon foi assassinado covardemente em frente a seu apartamento em New York, mas sempre ouviu falar da grande comoção que aquela tragédia havia causado em sua cidade natal. Agora, aos dezenove anos - dezoito anos, na verdade, já que Harrison havia falecido de câncer em 2001 - , ou como era popularmente conhecida, estava sentindo na pele o efeito da morte de um dos quatro meninos de Liverpool.
George era seu favorito desde pequena. Ela ouvia tanto a canção "Something" que havia feito um buraco na fita cassete que basicamente morava na rádio que dividia com sua irmã mais velha. Na verdade, podia jurar que Natasha havia furado aquela fita cassete em rebeldia durante alguma briga com a mais nova. Ou talvez fosse apenas a forma que a garota encontrou de se vingar da irmã por ouvir a mesma música incansavelmente.
As duas sempre tiveram um bom relacionamento apesar da diferença de idade. Natasha era oito anos mais velha do que ela e apesar disso se comportava como se tivesse a mesma idade de . Eram inseparáveis. As duas eram conhecidas como as pimentas de Copperas Hill, devido aos cabelos ruivos que voavam de forma desengonçada com o vento forte da cidade e ao nome da rua onde seus pais tinham sua cafeteria. As meninas basicamente moravam em Copperas Hill, crescendo junto aos clientes frequentes que iam ao The Nest saborear o café irlandês, a especialidade de Peter e Margaret .
Peter havia nascido na Irlanda rural, mas apesar disso, considerava Liverpool sua verdadeira casa. Afinal, foi ali que conheceu Margaret Fine. Foi ali que Peter encontrou sua vocação em criar deliciosas bebidas à base de café enquanto Margaret fazia os biscoitos mais deliciosos, receita de sua avó . Os dois se casaram na década de 60 e junto com a ascensão da maior banda de todos os tempos, construíram sua família e seu negócio. As meninas, que mesmo com 8 anos de diferença ainda eram conhecidas por muitos clientes como as gêmeas, foram praticamente criadas atrás do balcão do The Nest, ajudaram a servir as bebidas e recomendaram os melhores doces com um carisma sobrenatural que impressionava seus pais.
Natasha era a mais falante. Era determinada, cheia de vida e sonhos. Adorava tagarelar com os clientes sobre sua vida, contar anedotas e falar sobre celebridades. Queria ser modelo, ou talvez fotógrafa. Já se limitava a ouvir as histórias, mas vez ou outra subia em um dos bancos verdes da cafeteria e começava a cantar algum show tune. As gemêas corriam de bicicleta pelos arredores da cafeteria, entregando panfletos feitos por elas mesmas que anunciavam o doce do dia ou alguma promoção imperdível. Elas eram felizes naqueles tempos, alguns anos depois da morte de John Lennon.
Agora, na vez de Harrison, as coisas estavam bem longe de serem felizes. A cafeteria continuava a mesma, tirando o memorial improvisado que havia colocado no canto da parede esquerda, perto do banheiro. A primeira coisa que fazia ao chegar na cafeteria era acender três velas: Uma para o Beatle, outra para Natasha e uma para si mesma. Afinal, precisava de qualquer força possível para aguentar aqueles dias.
A garota com então 18 anos havia acabado de ser aceita na National Youth Music Theatre. Apesar de não ser realmente uma universidade como seus pais esperavam, a escola oferecia grandes oportunidades para jovens que assim como ela sonhavam em estar nos palcos de West End - quem sabe até da Broadway? Mas nem tudo eram sonhos e flores. Afinal, no dia em que Liverpool chorava a morte de um de seus filhos, os choravam a morte de sua filha.
Natasha, oito anos mais velha que , não se deu muito bem na vida adulta. Se mudou para Londres aos 18 anos, depois de juntar dinheiro durante toda a sua adolescência. Mas acabou voltando para Liverpool aos 21, trazendo consigo o namorado e uma barriga avantajada. O namoro não durou muito tempo e logo o moreno de olhos verdes desapareceu. A mais velha voltou a dividir o quarto com a irmã e Ripley, o menino de olhos verdes como os do pai, mas sem seu sobrenome. Dali em diante as coisas não foram mais tão simples para Natasha. A maternidade não fazia parte de seus planos e apesar de amar Ripley com todo o seu coração, ela não amava a vida que vinha levando na mesma Copperas Hill, na mesma cafeteria, na mesma casa. Então, no dia da morte de George, a canção de Natasha foi interrompida. Não havia mais as gemêas, as pimentas de Copperas Hill. , que sempre esteve acostumada a cantar duetos, agora era uma cantora solo. Quer dizer, não tão solo assim.
Ela prontamente desistiu de sua vaga na National Youth Music Theatre e assumiu um papel que jamais pensou em interpretar: O de mãe e tia, ao mesmo tempo. Ripley sabia que não era sua mãe, mas a presença de Natasha nunca foi tão forte assim e o menino se viu agarrado em sua tia, a quem ele carinhosamente chamava de Mountie, uma mistura de mãe com tia. Era isso que era, agora aos 19 anos, acendendo as velas e pensando como aquilo um dia poderia melhorar. Como aquela dor que corroía sua alma e ardia em suas veias, que a fazia acordar toda a madrugada com o maxilar doendo de tanta raiva que sentia. Raiva de si mesma por não ter percebido a dor de Natasha. Raiva da vida, que havia tirado sua outra parte tão precocemente. Raiva do universo, que havia matado George Harrison no mesmo dia que sua irmã e fez com que ninguém aparecesse em seu velório.
Na maioria dos dias, apenas queria gritar e chorar. Ela corria contra o vento, com os cabelos desgrenhados agarrando em seu rosto cheio de lágrimas e colocava sua melhor atuação, digna de Oscar, toda vez que olhava Ripley. Toda vez que atendia algum cliente. Mas apesar de tanta raiva contida em seu peito, tanta dor que nem Sondheim em suas melhores canções podia expressar, tentava se manter otimista. Por Ripley. Por seus pais, que já haviam perdido tanto. Pela cidade. Por si mesma.
Naquele dia, logo após acender as velas, prometeu a si mesma que ia tentar. Tentar superar o medo constante toda vez que revivia aquela memória, a dor de entrar na cafeteria agora vazia. Ela ia tentar sorrir sem ter vontade de chorar. Ela ia tentar cantar. Tentar sonhar. Tentar perdoar.
, mais do que nunca, precisava que algo bom acontecesse em sua vida. Ela só não esperava que o vento de Liverpool naquela manhã de primavera fosse trazer tamanha mudança. Ela poderia dizer que sentiu seu corpo arrepiar com o sentimento de esperança assim que a porta da cafeteria se abriu trazendo consigo seu primeiro cliente. Na verdade, seu corpo arrepiou por causa do vento, já que estava com uma blusa sem mangas e o aquecedor ainda não estava em sua potência total.
Mas o sorriso do primeiro cliente daquele dia foi a primeira coisa boa que aconteceu com desde Natasha. E pela primeira vez em meses, sorriu de verdade.




Era pouco depois das oito da manhã quando o homem atravessou a porta usando um boné do Tottenham e óculos escuros. O pai de era o maior fanatico pelo time do Norte de Londres, então foi fácil de reconhecer o acessório que o homem usava. Ela não podia ver muito de seu rosto por causa dos óculos, mas reparou no seu sorriso simpático, na pinta na bochecha direita, em seu moletom azul marinho, enquanto ele se aproximava do balcão. abriu um sorriso em resposta.

— Belo boné — ela disse sem nem perceber. O rapaz abriu ainda mais seu sorriso.
— Essa coisa velha? — Disse, tirando o adereço e revelando cabelos castanhos bem clarinhos, quase loiros, penteados para trás. Balançou o boné no ar, rindo e em seguida o colocou de volta. — Eu devia ter vergonha de usar isso nessa temporada, mas sou um trouxa e não consigo negar.
— Estamos sendo humilhados — suspirou. — Mas enfim, bom dia. No que posso ajudar?
— Bom dia também — ele se aproximou da garota a fim de ler o nome na tag presa em sua blusa preta. — . Nome legal.
é melhor — a ruiva sorriu. — Só coloquei na tag pelos meus pais. Eles acham muito masculino, por causa daquele filme com o Michael Cane.
— Eu amo ! — Ele exclamou antes de perceber o que tinha falado. — Quer dizer, o filme.
— É uma obra prima — respondeu e ele assentiu. — Meu pai tem uma foto do Sir Michael Cane no mural — apontou. — Ele diz que o autógrafo é verdadeiro, mas eu honestamente duvido muito.
— Wow.
— Realmente impressionante… — Um silêncio meio esquisito se formou e logo percebeu que estava tagarelando demais. Apontou para o menu preso na parede, escrito em giz branco em um quadro negro, com a letra redonda e alinhada de Natasha — Esse é o nosso menu. Se precisar de alguma coisa…

O homem olhou para o quadro negro por alguns segundos, suspirando enquanto analisava cada item. Eles tinham um menu bem variado, considerando que nunca havia feito nenhum curso de barista e tudo que sabia vinha de seu pai, que ocupou essa posição por muitos anos no The Nest. Ela era definitivamente desastrada e se queimava o tempo todo, além de sempre esquecer algum ingrediente das receitas, mas quase nunca ninguém reclamava. Pelo menos não nos últimos tempos.

— Então, … Eu tenho um dia bem longo e estressante por vir. Preciso de algo forte — disse, virando sua atenção para a garota.
— Eu te ofereceria um Irish coffee, mas ainda não são nem nove da manhã, então… — Ela riu de si mesma e o rapaz assentiu com um sorriso. — Nosso Nitro tem 215 miligramas de cafeína.
— Vai ser esse mesmo.
— Claro! Em qual nome coloco? — Perguntou e por algum motivo o homem ficou em silêncio por alguns segundos. — Me desculpe, não tem ninguém mais aqui, nem precisava perguntar. É mania. Só um segundo e já fica pronto.

voltou sua atenção para o trabalho, para pegar os ingredientes certos e não começar o dia com uma queimadura, quando ele respondeu:

— Hank. O nome é Hank.
— Okay então, Hank. Fique à vontade.

Hank então começou a andar pela cafeteria vazia, dando uma olhada nos quadros de passarinho presos nas paredes verdes escuras. Ele parou em frente a grande foto da família que ficava bem no meio do local. devia ter seus 5 anos e Natasha 13 anos. Os quatro estavam em frente ao café, no colo do pai e Natasha no meio abraçando a mãe. Era meio bizarro pensar que eles nunca mais tirariam fotos com a família completa de novo.

— É você? — Ele perguntou, já sem óculos e o boné. assentiu e então ele se aproximou do balcão ao ver que sua bebida já estava pronta. — Que bonitinho. Seus pais são donos daqui?
— Há 40 anos já — respondeu, colocando a bebida próxima a Hank. Enquanto ele assoprava a bebida quente, a garota pegou uma fatia de bolo de frutas e o serviu. — Por conta da casa. Você não poderia vir a Liverpool e não testar nosso Wet Nelly.
— É muita gentileza sua, — Hank agradeceu. — Parece delicioso.
— Minha mãe fez. Ela e meu pai chegam aqui às 5 da manhã todos os dias para fazer os doces. Quer dizer, quase todos os dias. Não abrimos no domingo.
— Nossa, isso é uma pena — ele comentou após um longo gole. — O café do Adelphi é absolutamente desastroso. E bem, isso daqui é delicioso. Estou com um problemão.
— Sério? É tão chique lá, achei que tudo fosse delicioso.
— É um dos piores hotéis em que já fiquei. Muito velho, com cheiro de cachorro molhado, sabe? Eu tenho alergia. Não sei quanto tempo vou durar.
— Você fica até quando? Desculpe perguntar, claro.
— Pelo menos por dois meses, isso se tudo der certo.
— Nossa, você vai pagar uma fortuna — ela disse sem nem perceber e Hank soltou uma gargalhada. — Meu Deus, eu só falo merda.
— Tudo bem, — ele continuou sorrindo. — Felizmente quem vai pagar essa fortuna é meu contratante.
— Você não pode pedir para trocar de quarto? Ou sei lá, para alguém limpar de verdade? Meu sobrinho também tem alergia. A gente deixa tudo aberto e pegando sol, é muito fácil ter cheiro de mofo.
— Esse é o terceiro quarto que me colocam. Acho que vou viver de Allegra pelos próximos meses — falou pouco antes de olhar seu relógio. — Tenho que ir. , foi um prazer conversar com você nessa manhã.
— O prazer foi todo meu — a ruiva respondeu enquanto o homem pagava sua conta. Ele entregou uma nota de cinquenta libras e ela logo foi contar o troco. Ia ficar sem moedas pelo resto do dia, mas pelo menos conseguiu se distrair o suficiente para não surtar naquela manhã.
— Fique com o troco — disse, piscando para , que ficou um tanto incrédula. — E eu voltarei para tomar o famoso Irish. E comer mais desse bolinho.
— Estou aqui de oito às oito — respondeu. — Muito obrigada, Hank. Tenha um bom dia.
— Tentarei — Hank falou, acenando para ela. — Até qualquer hora.

Pelo resto do dia, pensou naqueles olhos azuis que pareciam esverdeados em alguns momentos e no sorriso encantador que Hank tinha. Ele era familiar, dava uma sensação boa a ela. E ela não se sentia bem há muito tempo. Era estranho se sentir tão atraída por um cliente, principalmente um cliente tão mais velho, mas ela definitivamente estava atraída por ele.

Talvez ela só estivesse carente. Seu melhor amigo tinha se mudado para Londres e seu último beijo tinha sido no século anterior. Então o primeiro homem que lhe deu um pouquinho de atenção deixou-a toda bobona.
Mas era bom sentir algo que não fosse total tristeza e desespero. Era diferente. E ela se apegou ao sentimento bom que o pequeno encontro trouxe até fechar a cafeteria pouco depois das oito da noite. No caminho de casa ela passou pelo Adelphi, que parecia um pouco menos elegante depois de saber do cheiro de poeira e café ruim. Os quatro seguranças que estavam na porta desejaram uma boa noite e ela seguiu seu caminho para casa.




— Mumtie! — Ripley gritou assim que a porta foi aberta e uma exausta, porém sorridente, entrou em sua casa. O menino de olhos verdes e cabelos longos que caiam em cachos acobreados tinha o sorriso desdentado mais adorável do mundo, suas bochechas avermelhadas e cheias de pintinhas o deixavam ainda mais angelical. Ele se parecia muito com Natasha e era doloroso olhar para aquela pequena cópia da irmã correndo até ela, mas não sentia nada além de amor por aquele menino que roubava seu coração todos os dias. O menino agarrou as pernas da tia, que logo se abaixou para falar melhor com ele — Eu fiz cocô!
— Sozinho?
— Sozinho! — Ripley disse, todo orgulhoso. beijou sua bochecha uma vez, depois duas e continuou beijando o menino até ele dizer chega — E eu tomei todos os remedinhos!
— Até o salzinho?
— Até o salzinho!

Ripley estava ficando melhor com os remédios a cada novo dia. No começo era uma luta, ele odiava ter que tomar tantas coisas com gosto ruim e cheiro pior ainda, mas estava se acostumando. morria de orgulho do menino.
Depois de contar sobre seu dia em detalhes longos e um pouco criativos demais, finalmente conseguiu se sentar no sofá, ao lado de seu pai que assistia ao jornal da noite. Algo sobre uma filmagem que estava acontecendo na cidade estava no ar, com o jornalista passando por alguns detalhes antes de seguir com as notícias de verdade. Seu pai disse que ela deveria aparecer no set qualquer dia e pedir um emprego, mas apenas sorriu e deu de ombros. Voltar a atuar estava completamente fora dos planos da ruiva, que havia afundado aquele sonho e estava a todo custo achar outra coisa para sonhar.
Sua mãe logo apareceu, avisando que o jantar estava pronto e que Minx havia ligado mais cedo. A refeição foi quase toda silenciosa, apenas Ripley falava enquanto seus avós e tia comiam. Assim que terminou, recolheu as louças vazias junto ao sobrinho e eles lavaram e secaram tudo, guardando em seu devido lugar, enquanto Margaret e Peter assistiam a um programa norte americano de perguntas e respostas. Depois disso, Ripley tomou seus remédios e o colocou para dormir, cantando a música favorita de Natasha antes que o menino finalmente adormecesse. Todos os dias ela ficava olhando o sobrinho por alguns minutos, tentando entender como um ser tão precioso havia sido confiado a aquela família. Pensava em como faria para cuidar dele no futuro — e o que faria para que ele tivesse uma vida melhor do que sua mãe havia tido. se preocupava tanto com ele que chegava a doer. Ela faria tudo para que ele fosse feliz.
Depois de longos minutos sentindo o peso do mundo em seus ombros, finalmente foi tomar banho. Sem cantar, como fazia antigamente, ela se limpou com tanta força que sua pele ficou toda vermelha. Não que isso fosse difícil, ela era tão branca que qualquer coisinha deixava manchas roxas ou vermelhas por todo o seu corpo, mas ao se olhar no espelho após o banho, mal se reconheceu. Estava parecendo um pimentão, cheia de arranhões, espinhas nas costas e peitos caídos demais para uma garota de dezenove anos. Por algum motivo ela pensou em Hank e sentiu todo o seu corpo arrepiar. Riu de si mesma por pensar nele naquele momento, mas vestiu seu pijama e foi até a sala onde o telefone estava, onde discou os dígitos de Minx.
Minx era seu melhor — e provavelmente único — amigo. Eles se conheciam desde quando o garoto ainda se apresentava por Milo e tinha um corte de cabelo bem diferente do atual. Se conheceram na escola, quando a garota de cabelos ruivos e pintinhas demais entrou para o clube do teatro que o menino de cabelos raspados e olhos castanhos participava. A primeira apresentação da turma foi Jesus Christ Superstar — o que era um pouco progressivo demais para crianças de doze anos, mas iniciou a amizade dos dois e fez Minx decidir deixar o cabelo crescer. Isso foi em 1995 e ele nunca mais cortou suas mechas escuras, que caiam até a metade das costas em cachos furiosos.
Ele também era a única pessoa que sentia que podia confiar. Minx tinha um sorriso tão carinhoso e um olhar que demonstrava todos os seus sentimentos, fossem eles bons ou ruins. Sua aparência podia chocar e suas calças eram justas demais, mas ele era um verdadeiro doce de pessoa. o amava tanto e sentia sua falta todos os dias, principalmente agora. Sentia falta dele furtando doces durante o expediente de trabalho e cantarolando alguma banda de metal norte americana em notas muito mais altas do que ela um dia podia pensar em alcançar. Minx era seu porto seguro. E agora ele estava longe, em Londres, morando com um comediante com cabelos tão longos quanto os dele, estudando na faculdade que deveria estar. Os dois tinham planejado tanto a vida em Londres, por muito tempo e quando finalmente chegaram perto de conseguir, o sonho foi tirado deles.
Mas Minx se mantinha otimista. Ele dizia que era só uma temporada ruim e que logo iria se juntar a ele, que eles comprariam pratos novos na Ikea e pintariam a sala de preto, enquanto Minx tocava em alguma banda alternativa e brilhava em alguma produção em West End. Era só uma questão de tempo.

— Em ponto — Minx disse ao atender — Acabei de chegar em casa.
— A cada dia eu fico melhor nisso — A garota riu — Como foi o dia?
— O de sempre: Dormi na aula, depois dormi no depósito do trabalho, aí fui para o ensaio…
— E dormiu de novo?
— Os meninos estavam discutindo se deveriam ou não colocar Metallica na setlist, mas o Frank tem medo de que Metallica fique popular demais com o nosso cover…
— Você só pode estar brincando — se jogou no sofá, que agora estava vazio.
— Eu juro! Mas o Graham o mandou ir a merda e colocamos mesmo assim. No fim a setlist ficou basicamente a mesma coisa e perdemos o ensaio todo discutindo.
— Que situação, heim?
— Eu conheço esse tom de voz, , você me perguntou como foi o meu dia e eu estou contando da forma mais fiel possível… — Ele disse em um tom de voz engraçado, era como se reclamasse ao mesmo tempo que ria de si mesmo.
— Ai, Minx… Seus problemas sempre me deixam mais feliz — riu, fazendo o garoto soltar um xingamento abafado — Qual foi? Eu tive um dia difícil.
— Meu bem, todos os dias são difíceis, tudo depende de como você olha para eles — Uma pausa pensativa e natural aconteceu, mas não durou muito, até porque as ligações custavam caro e eles não podiam perder muito tempo — Não teve nada de bom mesmo?
— Ah, teve um cara…
— Um cara? Alguém chame a patrulha do apocalipse! olhou para um cara!
— Babaca!
— Me conte mais sobre o bonitão.
— Ah, ele era legal. Foi o primeiro cliente do dia, então eu não errei o pedido dele. Mas ele era legal. Não foi nada demais, sabe, ele só foi legal comigo.
— Você usou tantas vezes a palavra legal que eu fiquei tonto.
— Você é um cuzão.
— Foi exatamente o que me disseram hoje em diversas línguas diferentes — Minx soltou uma gargalhada de si mesmo, que fez revirar os olhos e rir baixinho.
— Todo dia eu me pergunto o motivo de continuar sendo sua amiga — Ela ficou em silêncio por alguns segundos — Mas aí eu lembro que quanto mais pecados eu pagar na Terra, mais rápido eu passo pelo purgatório.
— Sua visão da vida é realmente empolgante — Minx respirou fundo — Agora me diz, de verdade, como você está?
— Eu estou bem, Minx. Eu juro.
— Essa é minha garota — O rapaz falou e logo ouviu alguém reclamar do outro lado — Hey, eu tenho que desligar. O Graham precisa ligar para a namorada da roça dele.
— Mande um abraço para ele.
— Ele pediu um beijo — O moreno falou depois de alguns segundos repassando a mensagem — Ele é asqueroso, .
— Para ser seu flatmate, realmente…
— Vai se foder — Graham gritou depois de ouvir o que a garota tinha dito através de Minx — Desliga essa merda, seu bosta.
— Como ele é carinhoso… — resmungou e Minx gargalhou.
— Nos falamos amanhã, docinho. Durma bem e sonhe comigo usando uma cueca de oncinha.
— E você comigo, coberta em chantilly.

Depois de desligar o telefone, comeu alguns twiglets, depois escovou os dentes e tentou se divertir um pouco consigo mesma. Ela merecia e havia lido em sua revista favorita que o ato libera hormônios ou algo assim. E sua médica disse que as espinhas em suas costas eram os hormônios presos e em ebulição.
Assim que terminou, ou que achou que terminou pois não tinha a menor noção do que estava fazendo, ela escovou os dentes de novo e foi dormir. Envolveu Ripley em seus braços e torceu para cair logo no sono, para esquecer de si mesma nem que fosse por um segundo. Antes de pegar no sono, a última coisa que ela pensou foi em Natasha.
Não foi uma noite fácil.




— A cozinha já fechou… — disse ao ouvir a porta do The Nest abrir. Era quase oito da noite e ela havia tido um dia e tanto. Quando focou sua visão, viu Hank parado no meio do salão, ainda usando o mesmo boné, mas dessa vez sem óculos escuros. — Ah, boa noite, Hank!
— Eu juro que saí do trabalho o mais rápido que pude — o homem falou com um pequeno sorriso no rosto, tirando o boné. — Estive aqui de manhã, mas seu pai disse que você teve que levar seu sobrinho ao hospital. Eu fiquei meio preocupado então pensei em voltar para o jantar, mas acho que cheguei tarde demais…
— Claro que não chegou. Quer dizer, chegou, mas eu preparo algo para você. Acho que ainda temos um pouco de Scouse….
— É que eu sou vegetariano… — Ele sorriu ao sentar, negando o prato típico de Liverpool, que era algo como um ensopado de cordeiro com vegetais. — Não precisa se preocupar comigo, . Eu realmente vim porque fiquei preocupado com seu sobrinho, seu pai fez parecer que era muito sério.
— Realmente pareceu, mas ficou tudo bem. Ele aprendeu a fingir engolir os remédios e hoje acordou todo suado, o que não é bom. Mas acho que ele aprendeu a lição em não mentir sobre os remédios e que é melhor engolir vinte e dois comprimidos do que passar cinco horas tomando antibiótico e soro na veia.
— Pobrezinho. Quantos anos ele tem?
— Cinco — contou, apoiando-se na bancada — na maioria das vezes ele é um verdadeiro mini adulto, parece mais responsável que eu. Mas eu esqueço que ele é apenas um bebê ainda e que crianças não deviam ter que tomar tantos remédios assim.
— Deve ser realmente muito desafiador. Se eu, um velho, odeio tomar remédios, imagine só um molequinho desse tamanho.
— Antes da Natasha… — parou por um segundo e desviou o olhar de Hank. — Antes ele tomava tudo direitinho, quando era menor. Agora ele parece um adolescente rebelde. Eu me sinto um lixo por ficar cobrando, mas realmente não tem muito jeito. A qualidade de vida dele já é uma merda, sem os remédios as coisas só vão piorar.
— Desculpe minha intromissão e tudo bem se você não quiser me contar, mas… Ele tem o que?
— Fibrose cística — ela suspirou e Hank pareceu ficar um pouco confuso, apesar de ter assentido positivamente como se entendesse. — É uma doença genética de merda. É bem raro, demoramos meses para descobrir o motivo dele ficar tão doente e não ganhar peso… Foi um choque, sabe, minha irmã era bem saudável e o pai dele também, então não esperávamos isso. Mas parece que a pessoa pode carregar o gene recessivo sem ter a menor ideia. Então Ripley foi premiado com essa bosta.
— Mas ele consegue viver bem, apesar disso? Desculpe as perguntas, eu realmente nunca ouvi falar nisso…
— É pouco falado mesmo, eu nunca tinha ouvido falar nessa desgraça até o Ripley receber o diagnóstico — ela respirou fundo, seus ombros caídos e cansados mostrando o quanto aquilo era uma merda. — E respondendo a sua pergunta… Ele vive bem, do jeito dele, sabe? Nós fazemos o máximo que podemos, mas ninguém parece saber muito. Nós já o levamos em milhares de médicos e cada um fala uma coisa, é muito confuso então nós estamos tentando dar um jeito com o que temos.
— Meu Deus, . Eu sinto muito por isso.
— Tudo bem. Quer dizer, não está tudo bem, mas não tem nada que eu possa fazer para melhorar além de encher o saco para que ele tome os remédios… — deu de ombros e sorriu. — Enfim, seu jantar. Eu posso fazer ovos, que é o melhor prato vegetariano que eu posso fazer… Vegetarianos comem ovos, certo?
— Comem sim — Hank riu. — Mas não precisa se preocupar. Você teve um dia e tanto…
— Não tem problema, sério. Seria rude da minha parte deixar um cliente com fome, mesmo que minha comida seja definitivamente decepcionante. Mas eu vou te preparar um Irish, acho que vai melhorar um pouco sua noite.
— Eu preciso de um Irish urgentemente — o homem abriu um sorriso e relaxou na cadeira. — Meu dia não foi tão ruim quanto o seu, mas olha, foi uma merda.

A ruiva não demorou muito no preparo, deixando Hank sozinho no salão por apenas alguns minutos. Seus ovos mexidos pareciam mais decepcionantes do que nunca, mas ela tentou o seu melhor e serviu todos os molhos que sua mãe havia feito e algumas batatas chips. Entregou o prato para o rapaz, que agradeceu e começou a comer ferozmente, indo preparar o café com whiskey que tornou seu pai famoso na cidade.

— Você não vai me deixar comendo sozinho, vai? — Hank questionou quando a garota saiu de perto dele, vendo as bochechas da mesma assumirem um tom mais rosado. — Fala sério, senta aí. Coma alguns chips comigo!
— Não é bem meu costume sentar com clientes… E comer da comida deles…
— E também não deve ser costume preparar ovos mexidos depois do horário…
— Bem, você tem um ponto, Hank.

sentou-se à frente do homem e por mais de uma hora os dois conversaram sobre tantos assuntos que às vezes a garota tinha que parar e pensar sobre o que estavam falando naquele momento. A conversa apenas parecia fluir entre eles. Apesar da diferença de mais de dez anos de idade — Hank havia acabado de completar trinta anos e estava no auge de seus dezenove — os dois tinham muito a falar. Ambos haviam amadurecido muito cedo, tomado responsabilidades maiores que suas idades e agora se viam sem saber muito para onde seguir. Era estranho para Hank ver uma garota tão jovem com um senso de responsabilidade tão grande e ainda assim ser tomada por inocência e curiosidade. Hank via muito de si mesmo em , mas era como se a garota fosse uma versão melhorada dele, uma versão realmente boa. Mas havia certa tristeza nela e em suas palavras, algo em seu olhar que revelava que já havia vivido muito mais do que seus anos diziam.
via Hank com a curiosidade de quem nunca havia visto um adulto de verdade, fora de sua família, antes. Ele era esperto e cheio de cultura, conhecia tanto do mundo e havia vivido tantas coisas. Ele realmente vivia, não se escondia atrás dos problemas. Havia algo de inspirador nele que ia além de seu sorriso largo e olhos brilhantes.
Depois que fechou o café, o acompanhou até o Adelphi e os dois se despediram com um aceno. Hank prometeu que voltaria na manhã seguinte, o que duvidou, já que sentiu que havia falado tanto sobre si que assustaria qualquer um. Mas Hank voltou na manhã seguinte. E na noite seguinte também. Pelas próximas duas semanas, exceto aos domingos, Hank apareceu pontualmente e cada dia passava mais tempo em suas idas ao The Nest. Aquelas duas horas do dia eram as favoritas de , que parecia contar os segundos para que ele chegasse.
Sem perceber, se viu sorrindo de novo. Contava para Minx tudo sobre seu novo amigo da cidade grande e o rapaz, do outro lado da linha, implicava dizendo que Hank era muito mais do que apenas um cliente bonitão que gastava muito dinheiro com café e ovos mexidos. queria não concordar, mas sentia os sinais que seu corpo dava toda vez que Hank aparecia pela porta com o boné e seus óculos escuros. Ela sentia seu corpo arrepiar, seus olhos pareciam ver melhor e sua barriga fazia coisas estranhas. Mas era ridículo acreditar que os sorrisos de Hank pudessem ser além de pura simpatia.
Porém, todos os dias quando ele aparecia, sentia essas mesmas coisas. E era bom.




estava parada do lado de fora da cafeteria naquela quarta feira a noite, fumando um cigarro que provavelmente ia acabar com suas cordas vocais e destruir ainda mais seu sonho já destruído.
Hank a avistou desde que virou a esquina e abriu um sorriso por baixo daquele mesmo boné que usava todos os dias. Afinal, a visão de do outro lado da rua era um pouco diferente da que estava acostumado: Ela usava um casaco de couro que caia até a metade de suas coxas, mais ou menos na mesma altura que sua saia preta e justa. Quando se aproximou pode ver que a ruiva usava uma blusa de alguma banda que ele não conhecia, mas isso não importava muito. tinha os cabelos soltos, a franja um pouco maior tampando seus olhos e apesar de não aparentar estar usando maquiagem alguma, ela tinha os maiores cílios que ele já havia visto em um adulto. E ela estava deslumbrante.

— Eu acho que eles não vão me deixar entrar — Ela brincou, trazendo uma risada alta de Hank, que a fez rir também — Você devia ter me chamado antes!
— Se você tivesse me avisado antes que fecharia mais cedo para dedetizar… — A garota então deu de ombros.

O convite inusitado havia ocorrido na visita de Hank ao The Nest naquela manhã. Como todos os dias, o londrino aparecia pontualmente para o café da manhã e depois de quase uma hora conversando, avisou que a cafeteria fecharia mais cedo para uma dedetização de emergência, que foi marcada após um encontro nada agradável da mãe da garota com um rato. Então, para não perderem a tradição que os dois haviam criado nas últimas semanas, Hank a convidou para um jantar no restaurante do hotel Adelphi.

— Mas eu estou falando sério, se me barrarem eu vou tacar minha bota na sua cara — resmungou quando Hank a puxou para que os dois começassem a andar na direção do hotel. O corpo de pareceu tomado por choque com o ato inesperado do rapaz, que definitivamente não percebeu o efeito que tinha nela. O caminho era curto, menos de dois minutos a pé, e a noite estava realmente agradável. Hank sorriu da careta brava da garota, que continuou resmungando — Eu nunca fui a um restaurante chique desse jeito.

— É o restaurante de um hotel três estrelas, , não precisa se preocupar. E olha para mim, eu estou usando um boné e tênis mais velhos que você.
— Tem que ter coragem, sabe… — Os dois riram — Você fica bem melhor sem esse boné, não sei porque continua usando.
— Eu tenho entradas muito proeminentes para a minha idade — Ele deu de ombros e a garota assentiu — Se estiver usando o boné, não preciso me lembrar delas.
— Ah, faz sentido então — A garota respondeu e Hank sorriu. Eles deram boa noite para os seguranças do hotel, um deles abrindo a porta que dava entrada à grande construção antiga. O teto era alto, com lustres gigantescos que pareciam ter sido roubados do Titanic e paredes em um tom de bege ilustrados com um papel de parede clássico. O carpete era vinho e parecia caro. Aliás, tudo ali parecia muito caro — Nope, to indo embora.
— Para de graça, ! — O rapaz riu, a puxando de volta quando ela fingiu ir embora. O salão estava completamente vazio, tirando apenas as pessoas que ali trabalhavam e os olhavam com sorrisos congelados no rosto — Vamos logo, estou louco por uma refeição medíocre.
— E eu estou ansiosa para ser expulsa…

Mas não foi expulsa, pelo contrário: Os dois foram extremamente bem recebidos e acomodados em uma mesa no canto do salão, mesmo que o restaurante estivesse vazio. O menu não era extravagante, na verdade consistia em duas opções de aperitivos, quatro de prato principal e duas sobremesas. Hank acabou pedindo uma sopa de vegetais e tortellini de espinafre com ricota e cogumelos. pediu uma salada — odiava saladas, mas comeria os croutons que vinham nela — e porco assado com gravy de maçã. Ela preferia mil vezes comer batatas fritas enroladas em um jornal velho, mas estava gostando de fingir viver outra vida por algumas horas.
Para acompanhar, Hank pediu um scotch e acabou pedindo uma taça de vinho, pois sempre achou muito elegante as mulheres que bebiam vinho nos filmes e manchavam a taça com seus batons vermelhos. Ela não estava de batom, mas apreciava a fantasia.

— Quer provar? — Ele perguntou, estendendo seu copo para a garota, que negou avidamente.
— Eu trabalho amanhã cedo e minha tolerância não é lá grandes coisas — Falou e Hank assentiu, tomando um gole de sua bebida — E além do mais, essas bebidas de velho tem gosto de madeira e morte.
— E com qual frequência você consome madeira e morte, ?
— Todo Natal — Contou, tirando uma risada do rapaz sentado à sua frente — Meu pai coleciona bebidas, é tipo o hobby dele, mas essas bebidas mais caras ele só abre em ocasiões especiais. Tipo no Natal ou em seu aniversário. E agora ele tem que deixar tudo trancado, porque Natasha vive roubando as bebidas. Quer dizer, vivia — Seu tom de voz mudou na última parte, porém ela logo se atentou a realidade e voltou a falar — Mas ele ainda as deixa trancadas mesmo assim.
— Ela parou de beber?
— É… Algo assim — Ela não queria pesar a noite contando sobre sua irmã morta, então preferiu deixar as coisas mais leves e otimistas. Hank já sabia muito sobre ela, mas alguns pequenos detalhes sobre sua vida ainda permaneciam guardados apenas para a garota.
— Eu gostaria de deixar de beber — O homem falou, após mais um gole — Mas essa merda é muito boa. E me relaxa. Depois que eu parei de comer carne eu definitivamente tenho bebido mais do que gostaria de assumir… E comido mais doces.
— Você parou de comer carne há quanto tempo?
— Dois anos, eu acho. Minha pele é muito oleosa e um amigo ficou com a pele maravilhosa depois que parou de comer, então eu imitei.
— E deu certo?
— Ah, acho que deu. Para ser sincero, eu não reparei muito na diferença. Mas tenho vergonha de voltar a comer carne agora porque já dei uma entrevista para a porra da P.e.t.a. Se eles me verem comendo carne, ia ser um saco.
— Ok, estou impressionada pela entrevista, mas foda—se a P.e.t.a. O que eles vão fazer, jogar sangue falso na sua cara?
— Acho que eles só fazem isso em quem usa casacos de pele.
— Mas tem que ser muito filho da puta e rico para usar casaco de pele, então não julgo…
— Você está usando couro… — Hank ergueu o cenho e soltou uma gargalhada alta.
— Falso, claro. E além do mais, usar couro é diferente de usar casacos de pele ou coisas assim. Com couro, o animal já ia ser morto mesmo, então você só está aproveitando todo o material dele. Já com o casaco de pele ou sei lá o que, normalmente o animal ia ser morto só para isso.
— Você sabe muito dessas coisas…
— Culpa do Minx.
— Seu melhor amigo, certo? — Hank perguntou e assentiu — Ele parece engraçado.
— Ah, ele é. Completamente porra louca, mas hilário.
— Você ainda não foi visitá-lo desde que ele se mudou para Londres, não foi isso?
— É... Sabe, é difícil com o Ripley e o café. E ir para passar um dia só é muito caro… Além de que eu nunca poderia ficar na casa dele, ele mora com um pseudo comediante num flat em Whitechapel…
— É, realmente — Hank assentiu — Mas quando eu voltar, você pode ficar lá em casa. Eu acabei de me mudar e eu juro que sou limpinho. E não moro em Whitechapel, o que facilita as coisas.
— Obrigada pelo convite, Hank. Quem sabe quando Ripley completar dezoito anos…
— Para de ser boba. Você sempre pode levá-lo, também. Ele vai adorar. Tem tantas lojas legais de brinquedo e os museus são ótimos.
— Eu quase não conheço Londres, quer dizer, eu já fui ao museu de história natural algumas vezes… E fui assistir Fantasma da Ópera, o que eu me envergonho, mas eu não tive opção de escolha.
— É, Fantasma é… Peculiar.
— É brega. Tudo do Andrew Lloyd Webber é brega, menos Jesus Christ Superstar, que é uma obra prima.
— Pra ser sincero, eu acho musicais bregas em geral — lançou um olhar mortal para ele, que se escondeu atrás de seu copo quando a garota o ameaçou com uma faca — Ei! Em minha defesa, eu só não consigo entender porque eles cantam o tempo todo, sabe?
— Porque é um musical, Hank. Você não pergunta porque os filmes de terror te dão sustos ou os de comédia te fazem rir! Musicais tem que ter música! Fim.
— E tanta dança…
— Okay, eu assumo que acho alguns com dança demais, e eu nunca gravaria todos aqueles passos…
— Tipo West Side Story. Só tem dança.
— É Sondheim, Hank. Pelo amor de Deus. Eu vou embora daqui…
— Antes de testar essa comida radioativa? Faça-me o favor…

Os dois conversaram por mais alguns minutos e logo a comida foi servida. Assim como previsto por Hank, os pratos eram realmente decepcionantes e foi difícil esconder as risadas um pouco mais altas depois de alguns drinks. não soube quanto tempo passou ali, mas devia ser tarde quando Hank a convidou para ir para seu quarto, já que tinha uma garrafa de espumante na geladeira. Ela aceitou.
A verdade é que Natasha sempre ensinou para que ela deveria estar pronta para todas as situações que a vida jogasse para ela — claro, Natasha nunca mencionou que uma dessas situações poderia ser sua própria morte, mas isso não vinha o caso. Então estava pronta: Levava sempre uma camisinha na carteira e vinha se depilando todos os dias desde que conheceu Hank apenas para caso acontecesse. O que ela achava que não ia acontecer, mas que se acontecesse seria um lucro.
teve alguns ficantes na escola, nada muito sério para chegar ao ponto final da corrida, mas ela não era burra ou inocente. Era amiga de Minx, irmã de Natasha. Sabia uma coisa ou outra. E sabia que, se fosse para acontecer naquela noite, não se arrependeria pois adorava Hank e ele era um grande gostoso, melhor do que qualquer outro garoto de Liverpool que ela poderia arranjar. E sim, estava demorando um pouco para finalmente transar, mas depois da morte de Natasha, realmente não pensava naquilo. Até Hank chegar.
Os dois subiram no elevador velho e meio assustador. reparou que outros hóspedes esperavam em uma fila para entrar no restaurante, o que era estranho pois literalmente o local estava vazio. Mas estava tão nervosa com o que poderia acontecer naquele quarto que nem se tocou muito naquele fato.
Ela estava pronta. Sabia que ia doer e ser esquisito, mas estava na hora de acontecer. E ela estava curiosa. Minx vivia contando sobre suas aventuras com garotas e garotos em Londres e ela morria de curiosidade, afinal, fazer aquilo sozinha não devia ser tão legal quanto com outra pessoa.
— Meu Deus, realmente tem cheiro de poeira — A garota comentou ao entrar no quarto. Era enorme, provavelmente maior do que as duas salas de sua casa e era tão mal decorado quanto — Parece que uma velha decorou esse quarto e depois morreu de tristeza.
— Eu te disse que era decepcionante — Hank disse, já indo em direção ao frigobar — Acho que não tenho taças, mas temos esses maravilhosos copos de plástico… — A garota então pegou a garrafa, que já estava aberta, e deu um longo gole no gargalo — Okay, ou bebemos assim. Você que sabe.
— Beber em copo de plástico é ofensivo, Hank.
— Isso você tem razão — Ele riu e um silencio esquisito tomou o quarto. Estavam próximos, mais próximos que já estiveram antes. Era assim que começava, certo? Os dois próximos um do outro, um sorriso tímido escapando dos lábios, uma eletricidade percorrendo o quarto e queimando todo o corpo. Mas alguém bateu na porta e a eletricidade foi dissolvida, se é que aquilo fosse possível — Uhm, fique a vontade, . Não vou demorar.
— Okay…

A garota então sentou no sofá bege e ficou ponderando se deveria tirar seus sapatos. Provavelmente estaria com mal cheiro, afinal, usou aquelas botas o dia inteiro. Então ela pediu para ir ao banheiro, onde tirou os sapatos e começou a lavar os pés da melhor maneira que podia. Não ia perder sua virgindade com os pés fedendo, de jeito nenhum. passou mais tempo naquele banheiro do que pretendia e quando saiu, encontrou com Hank conversando com um homem pela porta entreaberta. Hank parecia abatido quando olhou rapidamente para , que carregava suas botas na mão. Ele devia ter sentido seu chulé, ela pensou, ficando insegura repentinamente. O homem desejou uma boa noite para Hank e saiu. Ele nem fechou a porta.

, eu sinto muito — Ele disse, mais cabisbaixo do que antes — Aconteceu uma emergência em Londres e um carro veio me buscar.
— Meu Deus, Hank, está tudo bem?
— Sim, não é nada…Eu só preciso ir resolver essa merda e volto. Eu sinto muito mesmo, de verdade.
— Não precisa disso. Sério. Emergências acontecem — respondeu, se aproximando dele, ainda segurando as botas — Espero que tudo se resolva.
— Raincheck? — Hank pediu, abrindo um pequeno sorriso, a garota à sua frente sorriu também ao assentir — Obrigado pela noite, .
— Eu que agradeço — Suas bochechas coradas não negavam o quão constrangida estava, então ela apenas acenou com a mão livre e saiu andando. Hank ficou parado na beira da porta enquanto ela esperava o elevador.

Por algum motivo, tinha certeza que tinha arruinado tudo. Talvez fosse sua inabilidade de manter uma conversa, ou seus peitos caídos, ou seus pés fedorentos. Mas ela tinha certeza que nunca mais veria Hank e aquilo a deixou devastada. Mais devastada do que ela imaginaria ficar.
Por isso ela não colocava esperança em mais nada. Era mais fácil superar quando você se prepara para o pior. Mas, na noite seguinte, quando a cafeteria já estava fechada, ela ouviu duas batidas na porta.
Era Hank. E ela sorriu de novo.




— Foi uma loucura — Hank disse ao entrar, pouco depois acabou puxando para um abraço que ela nem esperava, mas precisava. Aliás, tudo aquilo, ela nem esperava, mas precisava — Eu sinto muito por ter te deixado daquele jeito ontem.
— Você disse que foi uma emergência e eu entendo de emergências — respondeu, dando uma cafungada final em Hank, sentindo seu cheiro de homem rico. Era diferente de Minx ou seu pai, que cheiravam a madeira e cigarro. Hank cheirava a algo bom. Ele era algo bom.
— Mas mesmo assim. Eu queria não ter tido nenhuma emergência, — Ele sorriu, ainda perto demais. sentiu todo o seu corpo arrepiar com o hálito fresco e mentolado do homem — , eu…

Sem delongas, sem esperar, o beijou. Por impulso, por loucura, mas ela o fez. E ele retribuiu, quase como se desejasse aquilo tanto quanto ela desejava. O beijo era intenso, assim como Hank. As mãos da ruiva prenderam o pescoço dele, o boné a atrapalhando e causando risadas entre os beijos, naquelas pausas para respirar que nem lembrava precisar. Ela nem sabia se estava respirando e provavelmente ia desmaiar a qualquer momento, suas pernas eram tão bambas quanto a casa da Dorothy voando no furacão. Mas parecia certo. Ela nunca sentiu pertencer a algo da forma que sentiu naquele momento.
Então o telefone tocou. O som foi ficando mais alto até que se desculpou e foi atender, com suas pernas falhando o caminho inteiro. Hank pareceu perceber, já que soltou uma risada baixa e ficou andando pelo café em círculos.

— Mumtie! — Ripley falou — Você nem acredita! Eu caguei!
— Ripley! — A ruiva podia reclamar do linguajar, mas ficou tão feliz que nem se importou — Sozinho?
— Sozinho, sem remedinho. Eu sou um garoto grande!
— Eu estou muito orgulhosa do meu bebê!
— Bebê não, garoto grande! — Ele repetiu — Tia, vem jantar? Vovó fez patê.
— Ahm, meu amor… A tia está com um amigo.
— Traz ele também.
— Eu não sei se ele vai querer ir, mas a tia promete que já já chega para comemorarmos, tá bem?

Ela desligou com um sorriso no rosto e Hank sorriu, parado frente a ela.

— Meu sobrinho fez cocô — Ela riu ao dizer e Hank pareceu surpreso.
— Parabéns?
— Eu sei que parece idiota, mas com a condição dele, é meio que algo importante.
— Então isso merece ser celebrado! — Hank falou com mais empolgação, puxando para perto dele novamente. A garota quase derreteu em seus braços.
— Ele te chamou para jantar com a gente. Vai ter patê, o que não é grandes merdas e você não come carne, mas enfim. Ele é um fofo.
— Pelas fotos realmente parece ser. Mas eu não quero impor minha presença…
— Fala sério, Hank! — riu — Você deve estar exausto de comida ruim de hotel ou comida ruim do the nest. Eu faço o melhor macarrão com queijo quando tenho os ingredientes certos.
— Que seriam?
— Macarrão e queijo — Ela riu novamente e Hank roubou um beijo rápido — Eu não quero te obrigar a nada, claro, mas se você quiser ir, será bem vindo. E meus pais te adoram.
— Bem, quem sou eu para negar um pedido desses? Macarrão com queijo e mais uns beijos seus? Parece uma noite vitoriosa para mim.

Por mais que nunca pegasse nenhum tipo de transporte para ir para casa, Hank insistiu que usassem o motorista que havia sido disponibilizado pela empresa, o que definitivamente encurtou o caminho — que foi extremamente agradável com e Hank passando o tempo inteiro em amassos intensos dignos de cinema. podia sentir a empolgação de Hank, em como suas mãos percorriam seu corpo numa velocidade desesperadamente tortuosa. Aquilo era bom demais. estava viciada nos lábios do rapaz, em seu cheiro, em seu toque. Mas o caminho passou rápido demais e logo estavam de frente a casa de paredes em um tom de areia, entre a casa de tijolos e a casa cor de gelo. Não havia muito um padrão naquela rua em quesito de cores, mas todas as casas seguiam o mesmo formato, com uma saleta de vidro na entrada e um pequeno jardim com uma única planta.

— Tem certeza que não vai ter problema? — Hank questionou antes de entrarem. o beijou uma última vez e sorriu — Vou tomar essa resposta como não vai ter problema algum, então.
— Vem, fica à vontade. Mas tire os sapatos, por favor — Ela pediu ao entrar, tirando seu casaco de couro e colocando-o no armário. Hank entregou seu próprio casaco e o guardou após avisar que haviam chegado. Logo passinhos apressados foram ficando mais altos e Ripley apareceu, com suas bochechas rosadas cheias de pintinhas — Meu cagão favorito!
— Mumtie! — Ele disse, pulando nos braços da tia, enchendo—a de beijos numa demonstração adorável de carinho exagerado que fez Hank sorrir — Seu amigo veio!
— Ripley, esse é o Hank — apresentou e Ripley estendeu a mão, depois de fazer um cumprimento exagerado como se Hank fosse parte da realeza. Ripley estava aprendendo sobre a rainha e sua família na escola, então fazia essa saudação para absolutamente todo mundo.
— Boa noite, Milord — O menino disse e Hank soltou uma gargalhada, que foi copiada por .
— Eu já disse que a gente só faz isso com gente da realeza, bebê — corrigiu.
— Mas como eu vou saber que ele não é da realeza?
— Eu estou usando um boné, você acha que o príncipe Charles usaria um boné? — Hank perguntou, ajoelhando—se para ficar da altura do garoto. Ele bagunçou os cabelos ruivos do menino, que soltou uma risada banguela — Eu não sou da realeza, pode ter certeza disso.
— Então não preciso te chamar de Milord?
— Pode me chamar de Hank — Disse, ainda sorrindo — Sua tia me falou muito sobre você e me disse que você é muito corajoso, então eu que devia te chamar de Milord.
— Ah, eu sou mesmo.
— Ele é o príncipe da titia — sorriu — Vem, entre. Você já conhece meus pais, mas já aviso que eles são esquisitos.

Margaret e Peter não tinham nada de esquisito, na realidade eram um casal bem normal e divertido. O jantar inteiro foi regado a risadas, whiskey que Peter mantinha guardado para ocasiões especiais e no fim ele até deu uma interpretação "digna de Oscar" de Bruce Willis em Duro de Matar. Hank não parava de rir e Ripley teve que ser arrastado para a cama de tanto que estava se divertindo. No fim, levou Hank até a sala de entrada, do lado de fora o motorista o esperava. Os dois se olharam por um segundo e começaram a rir.

— Desculpe qualquer coisa. Eles são esquisitos e eu avisei.
— Eles são ótimos. Sua família é incrível e você tem muita sorte.
— São seus olhos — Ela brincou — Mas obrigada por ter vindo. Meus pais já te adoravam antes, mas agora você está tipo no topo de pessoas favoritas deles. E Ripley te amou.
— Vamos marcar mais vezes. Eu ainda tenho algum tempo por aqui — Ele piscou e então puxou a garota para um beijo — Você não tem ideia de como eu precisava disso, de um pouco de normalidade. Obrigado, .
— E você não sabe como eu precisava disso.
— Disso o que?
— Te dar uns beijos — Os dois riram mais uma vez — Promete que não vai ser estranho daqui pra frente?
— Não vamos ser estranhos — Hank a beijou novamente — E amanhã me espere para o café da manhã.

fechou a porta assim que Hank foi embora e Peter estava esperando, apoiado a escada.

— Bom menino — Ele disse — Eu tenho a impressão que o conheço de algum lugar, mas não sei de onde.
— Sabe que eu também? — A garota disse — Acho que é porque gosto muito dele.
— Pode ser. Mas vê se não vai ser que nem sua irmã. Vai com calma, .

E foi isso que fez. Com calma e constância, os dois se viam todos os dias pela manhã e passavam horas à noite conversando e se beijando, nada além disso. Hank não pressionava e estava esperando as coisas progredirem naturalmente. Queria poder dizer que não estava sendo como sua irmã, se apaixonando perdidamente pelo primeiro par de olhos verdes que apareceu, mas lá estava ela: Completamente apaixonada e pensando nele todos os dias. Ela só esperava que as coisas fossem ficar bem dessa vez.
Talvez fossem ficar. Toda vez que ela estava com Hank ela tinha essa certeza.




— Vai ter um show do Placebo esse sábado e eu tenho dois ingressos — falou, como quem não queria nada, enquanto os dois estavam sentados no sofá do The Nest. Não era muito grande e seu material aveludado fazia cócegas nas pernas de , mas o sofá pareceu a melhor adição que a cafeteria já havia tido, já que graças ao objeto as sessões de amasso eram bem mais confortáveis.

Uma cama seria ideal, claro, mas não tinha coragem de chamar Hank para sua casa para fazer aquilo com Ripley no quarto ao lado. E seus pais no quarto da frente. Seria estranho e errado. Além do mais, Ripley vivia dormindo na cama dela, seria nojento colocar o menino para dormir lá depois de algo tão carnal ter ocorrido nos mesmos lençóis. Ela poderia lavá-los milhares de vezes e ainda assim eles teriam o cheiro de Hank, como todas as suas roupas tinham agora, como o The Nest tinha. Era impossível tirar o cheiro desse homem de sua vida enquanto dia após dia ele roubava mais espaço em seu peito.
Hank passava todo o seu tempo livre, tirando as horas de dormir, com . Ela passava o começo de suas manhãs e o fim das suas noites com ele na cafeteria. Hank nunca mais a chamou para o hotel ou para jantar, o que parecia estranho, mas estava tentando seguir todos os conselhos que havia recebido de revistas femininas e livros de autoajuda: Ir com calma. Respirar fundo. Hank possivelmente tinha um bom motivo para não chamá-la para seu hotel com cheiro de mofo. E era até bom, afinal, significava que ele a respeitava. Que ele preferia passar horas conversando com ele do que apenas transando. Podia significar que ele amava sua companhia do mesmo jeito que amava a dele. Podia ser algo bom.
Mas definitivamente aquilo deixava insegura. O fato deles não saírem, de ficarem confinados ao pequeno espaço da cafeteria, não parecia muito bom. E se Hank tivesse vergonha de ? Vergonha da diferença de idade, de seu visual esquisito, de seus cílios ridiculamente grandes e de suas sardas que foram seu trauma por muitos anos.

— Placebo é bom — Hank respondeu depois de um tempo — Mas não sei se vou estar aqui esse sábado…
— Ah… Bem, eu ia com o Minx, mas a banda dele finalmente conseguiu um show e ele não poderia perder, sabe como é essa vida de artista… Vai ser um show meio pombo, mas ele está feliz e eu tenho dois ingressos agora.
— Tudo no começo é meio pombo, depois melhora — Hank sorriu e acariciou o rosto da garota — Você não tem algum amigo ou amiga que possa te acompanhar?
— Não… Sempre fomos Minx, eu e… — O nome de Natasha ficou preso em sua garganta — Minx e eu.
— Ah, eu sinto muito… Sabe como é, eu sempre vou para Londres no final de semana e…
— Relaxa. Eu nem sei se você gosta deles, quer dizer, se você não gostar você é um babaca. Eles são a melhor banda do mundo.
— Eu adoro Placebo.
— Então você não pode adiar sua ida? Só uma vez? O show vai acabar cedo.
— Eu não sei se é uma boa ideia, … — Ele suspirou — É complicado.
— Tudo bem… É só que… Bem, esquece.
— Fala, poxa — Ele pediu, sua feição mais séria e postura mudando.
— Ah, sabe, nós sempre ficamos aqui. Tirando aquela vez no hotel, nós nunca mais saímos. Nem para jantar, nem para nada. Eu só fico… Ai, é besteira, sabe? Eu sou insegura e estou jogando minha merda em você.
— Eu te entendo, — Hank suspirou — Eu achei que aqui estivesse bom, sabe, nós dois juntos e sozinhos, sem ninguém enchendo o saco. Só nós dois — Ele segurou a mão da garota.
— Parece que você tem vergonha de mim, sei lá.
— Aí você falou merda — Hank soltou uma risada, mas não sorriu — , para com isso.
— Desculpa.
— Não precisa pedir desculpa. Você só precisa entender que as coisas são complicadas. Eu não quero te envolver nas minhas merdas.
— Mas eu quero me envolver nas suas merdas, Hank — assumiu — Que merda, nós estamos aqui há mais de um mês, a gente se beija e eu sinto meu coração saindo do peito toda vez que você passa naquela porta. E me desculpa estar jogando tudo em cima de você, mas eu preciso saber se você tem vergonha de mim, se está só me usando por eu ser uma garota idiota e…
, shiu.
— Não vem de shiu comigo — Ela respondeu num tom mais alto — Eu gosto de você, Hank. Mais do que eu gostaria de gostar. E eu estou jogando tudo isso como uma verdadeira babaca porque estou nervosa e insegura. Mas eu gosto de você e eu gostaria de sair como você, como um casal de verdade ou qualquer coisa sem rótulo que nós sejamos.
— Eu também gosto muito de você, . Mais do que eu gostaria de assumir ou aceitar. Mais do que eu queria. Mas eu gosto. Você me faz tão bem e sei lá, eu só queria proteger isso que nós temos de qualquer interferência externa.
— Aham…
— Eu não mentiria para você.
— Tudo bem, Hank. Eu entendo estarmos em páginas diferentes.
— Não estamos.
— Então porque você não me assume?
— Não é questão de te assumir ou não. Eu assumo que gosto de você pra caralho, que você é a única parte boa dos meus dias. Mas eu não posso…
— Não pode?
— Não é isso… Eu só não quero…
— Okay, não era mais fácil dizer isso antes?
— Eu não quis dizer que não quero ir…— Ele respirou fundo — Olha, eu tive um dia difícil… Eu preciso ir para casa e dormir.
— Tudo bem.
— Nos vemos quando eu voltar, ok? — Ele deu um beijo no topo do rosto da garota — Eu realmente estou falando a verdade, . Eu gosto de você e eu queria poder te dar o que você precisa e quer.

Quando Hank saiu do The Nest, chorou até seu corpo doer. Mas então ela decidiu que não choraria por ele, ou por homem nenhum. Ela merecia ser assumida. Não só em palavras bonitinhas ou gestos fofos. Ela precisava ser assumida de todas as formas. E se não fosse para ser assim, ela nem queria que fosse.
Mas, quando viu Hank de cima do palco, acenando como um verdadeiro bocó para que ela fosse até ele, tudo que pode fazer foi sorrir. E esquecer tudo ao beijá-lo com mais ferocidade do que deveria, para o susto do homem.
Aquela foi a melhor noite de sua vida. Até então, pelo menos.




O domingo pós show do Placebo foi tranquilo para : Em casa, de ressaca, cuidando de um Ripley absurdamente elétrico e empolgado. Ele adorava a ideia de bandas e shows por achar que seu pai era um grande rockstar, quase um membro dos Rolling Stones. Ripley devia ter ouvido em alguma coisa sobre o pai estar "dando um show" ou algo assim então relacionou com as bandas de rock que davam shows e ocupavam posters no quarto de sua mumtie.
Pobrezinho, seu pai mal passava de um fodido que nem limpar a própria bunda devia saber direito, mas se imaginar o pai como um grande astro da música o ajudava a superar a ausência que o homem havia criado propositalmente, servia de forma ou outra.
Então, o dia inteiro foi tomado por perguntas como:

— Meu pai tocou? Como era a banda? Tinham quantas pessoas na banda? Nenhum era meu pai?

Aquilo partia o coração de , mas não havia muito que ela pudesse fazer a não ser negar e sorrir, dizendo meias verdades e esperando que Ripley crescesse daquela fase e superasse o homem.
Aquele domingo que passou assistindo televisão, comendo biscoitos e ouvindo as histórias de Ripley foi apenas um dia normal como muitos outros. Mal sabia que aquele seria o último dia normal de sua vida por muito tempo.
Na manhã de segunda a garota seguiu a rotina de cuidar de Ripley, dar todas as medicações certas e ter certeza que ele estava seguro na escola. De lá foi para o The Nest, acendeu as velas e fez seu pequeno ritual por Natasha, mais rápido do que antes, pois ela estava de olho no relógio. Se tinha algo que Hank tinha de sobra era pontualidade e ela havia percebido isso no último mês. Se ele falava que estaria lá às 8 da manhã, ele estaria lá às 8 da manhã.
Mas naquela segunda ele não chegou cedo. Na verdade ele nem chegou e aquilo embrulhou seu estômago. Como ainda faltavam alguns minutos para as 9, decidiu tirar seu avental e passar no hotel Adelphi, onde Hank estava hospedado. Podia ser uma bobagem meio abusiva de quem estava em um relacionamento não oficial e sem rótulos, mas tinha um pressentimento e ele não era lá muito bom. Seu estômago estava doendo na hora que ela chegou ao hotel, se esgueirando entre as diversas pessoas que estavam paradas ali e um segurança de óculos escuros impediu sua entrada.

— O restaurante está fechado hoje — Ele disse sem nenhuma emoção.
— Meu… — Ela parou antes de falar. Namorado era forte demais e ela não ia dizer para o segurança que o cara que ela estava saindo era hóspede — Meu amigo está hospedado aqui.
— Desculpe, senhorita. Ninguém entra por enquanto.

Ela já havia entrado no Adelphi com Hank e não teve essa recepção nada calorosa. E ela estava bem menos esquisita naquela manhã, usando apenas seus jeans de trabalho e uma blusa preta meio decotada. Estranhou aquilo, estranhou todas as pessoas, estranhou a polícia criando uma barreira entre os curiosos e os fotógrafos. Quando ouviu um "é ele!", apenas pensou que tinha tirado a sorte grande e o Placebo estava saindo do hotel. Se fosse, seria o dia mais feliz da sua vida.
Mas era Hank. Usando o mesmo boné e óculos escuros que ela conhecia tão bem, mas cercado de seguranças que ela desconhecia.
Que merda era aquela? Porque Hank precisava de seguranças?
Seu corpo inteiro pareceu levar um choque quando ele a viu, sussurrando um "me desculpe"antes de um segurança empurrar para longe do caminho. Aquilo foi suficiente para Hank se exaltar e o público se exaltar também. Pareceu meio surreal, mas tudo que fez foi dar as costas e andar até a cafeteria. Ela percebeu que estava sendo seguida e que as pessoas atrás dela falavam "é ela!", "siga a ruiva!" e outras coisas que ela não conseguiu compreender pois sua cabeça parecia não estar funcionando. Ela fechou a porta do The nest e trancou, mas as batidas do lado de fora começaram a ficar altas demais e ela passou a ouvir gritos que não faziam sentido.
Puta que pariu, Hank era um criminoso.
Tudo fazia sentido.
Ela estava se envolvendo com um maldito cara da máfia ou algo assim. Ele nunca falava sobre seu trabalho, dizia apenas que era difícil e estressante. Matar pessoas, ou roubá-las, devia ser estressante e difícil mesmo. Filho da puta.
E isso explicava ficar em um hotel tão caro também. Só celebridades e gente da máfia podiam pagar a diária mais cara de Liverpool.
Seus pensamentos foram interrompidos quando ouviu mais batidas na porta e pela janela pôde ver pessoas se forçando para entrar no The Nest. Em dias normais ela adoraria aquilo tudo, pois faria uma baita grana. Mas eram muitas pessoas falando muito alto e agindo de forma agressiva, se amontoando em frente a janela e portas de vidro.
Merda.
Ela estava assustada então fechou as cortinas. Maldito Hank. Maldita que foi cair de amores por um membro da máfia inglesa. Talvez ele fosse de algum partido extremista. Ou um terrorista. Algo assim, ela não sabia. Mas sabia que tinha que se esconder na cozinha de forma desesperada quando uma pedra atravessou a janela.
E lá ela começou a chorar e chorar até que a polícia apareceu e mandou todos os curiosos embora. Quando saiu da cozinha, quando foi seguro fazer isso, chorou ainda mais ao ver a cafeteria completamente vandalizada e destruída. Móveis no chão, o expositor quebrado, tudo que sua família lutou anos para conseguir literalmente no chão.
A polícia não falou nada ao levá-la para casa, mas tudo que pensava era que por causa de uma paixonite, ela havia feito pior do que Natasha, que apenas engravidou e trouxe Ripley — antes de se suicidar, claro, mas ainda acreditava que não havia sido proposital. Ela sentiu o desespero tomar conta de si, tremendo e chorando, até estar com os policiais em casa.

— Você sabe o que aconteceu, Senhorita? — Um deles perguntou, a barba por fazer e olhar cansado dava a perceber que ele não estava tendo uma das melhores manhãs.
— Não faço a menor ideia, mas eles destruíram a cafeteria! Eu não fiz absolutamente nada, senhor, eu juro. Eles… Eles quebraram a janela e entraram lá, eu me escondi, eu só fui ao Adelphi ver meu namorado e…
— Nós sabemos, — O outro policial disse — O problema foi esse. Seu namorado.
— Ele é da máfia? — Ela perguntou, secando as lágrimas enquanto os dois homens riam — Pode me contar, eu aguento.
— Você realmente não sabe quem ele é? — Um deles perguntou, já nem sabia diferenciar pois as vozes eram quase iguais e seus olhos estavam embaçados.
— Ele é o Hank. Nós estamos juntos há algum tempo, mas é isso. Não sei de nada além disso.

O telefone tocou e um dos policiais atendeu. Ele suspirou ao passar o aparelho para a garota.

— É o seu namoradinho. Ele deve ter uma coisa ou outra para te contar.



Continua...



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Nota da autora: Sem nota.








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