Henry Albarn – Escuridão e Ultraviolência



Última atualização: 10/03/2025
Prólogo | 01




ATENÇÃO A FANFIC CONTÉM GATILHOS



NUM DIA QUALQUER DE OUTUBRO, BEM ANTES DA POPULARIZAÇÃO DO DIA DAS BRUXAS, surgiu a chegada de um jovem depreciado, natural de Utah. Ele deixou para trás dois lares que não mereciam sua presença, mas a compaixão parecia inútil quando sua saúde mental o forçava a relembrar os abusos psicológicos e as agressões perpetradas pela esposa bastarda de seu patriarca.

Os relacionamentos familiares se esgotaram, e, durante dias de visitas constantes a psiquiatras e médicos especializados, nunca lhe foi dado um diagnóstico certo. Suspeitando claramente que seu problema era insano, o garoto seria conhecido por eles novamente como mais um monstro sádico e irado, prosperando em um caos inimaginável na cidade de Swan Lake — a cidade onde toda a fantasia de Tchaikovsky não tinha um final feliz, mas sim um final sangrento, repleto de danças de horror e gritos.

Contudo, seres humanos tendem a saber, na fase inicial da vida, enquanto crianças forçadas a descobrir o mundo, que devem crescer de acordo com a idade adequada. Mas e quanto ao pequeno Albarn? Ele, que perdera a mãe — Lynda Robert Albarn — assassinada misteriosamente após um acidente na estrada enquanto viajava a trabalho. Os traumas seriam forçados ou facilmente superados por uma mente inocente ainda em desenvolvimento? Independentemente do ocorrido, ninguém foi capaz de salvá-lo, pois aquele lindo rostinho e coração puro se invalidaram conforme a vida corria com o tempo.

Apagando memórias de infância, agora predestinado a ser um jovem homem, a alma de Henry carregava um ódio imenso no peito. Ele achava enigmático se desvencilhar desse sentimento, especialmente agora, aos dezoito anos, quando escolheu conviver em um lugar desconhecido, onde dificilmente teriam de lidar com ele em uma nova família, em outro lar. Albarn estava mentalmente despreparado; suas tias deveriam ter dado explicações melhores sobre a expulsão do sobrinho. Todavia, escrever uma carta legível para a moradora de seu novo recinto foi o suficiente, apesar dos maus comportamentos que o pálido garoto se recusava a reconhecer.

Vamos esclarecer uma coisa: aquela passagem era a abertura de um novo futuro.

Ademais, seu passado conturbado sempre o enlouquecia, já que Edward Albarn nunca desempenhou o papel de um bom pai. Sua esposa, Carmen, além de rígida, sabia manipulá-lo com maestria, seduzindo-o. Henry frequentemente se irritava ao vê-la mentir, percebendo que a mulher estava casada com Edward apenas por interesse em sua riqueza, além de roubar sua confiança. A madrasta achava que o marido era ingênuo demais.

Graças à ignorância do homem, o filho mais velho começou a colecionar rancor, mesclado à solidão, infelizmente sofrendo bullying e exclusão social durante o colégio, ainda no ensino fundamental.

O jovem Albarn mantinha distância das pessoas, sendo considerado pelos outros desde cedo como “anormal”, embora fingisse tomar seus medicamentos, apenas para depois cuspir no lixo.

Enquanto a relação entre a madrasta e o afilhado era frequentemente tensa, marcada por broncas e até agressões físicas por parte do pai, que a acusava de inventar "mentiras", os filhos dela eram os preferidos. Isso o machucava profundamente.

Henry prejudicou demais os acontecimentos pela imensidão de lares caóticos. Ele evitava voltar para a casa do pai e jamais temeria suas tias novamente.

O garoto transtornado estava acostumado a observar seu negligente patriarca trazer prostitutas para casa todas as noites — antes de se casar com Carmen. Isso mudou sua perspectiva, fazendo-o hesitar em colocar os pés no colchão velho da cama de madeira, sentindo um embrulho repulsivo no fundo do estômago ao espiar pelo buraco da parede branca manchada, onde via o progenitor transar agressivamente com as vadias que pagava: gemidos, puxões de cabelo, tapas. Ele era apenas uma criança. Que porra de pai doente! Quem diria ao menino que mulheres não eram apenas vadias?

Um sentimento de repugnância e nojo o invadiu. O jovem Albarn não queria uma nova mãe naquela época, nem queria imaginar a traição. Ele só desejava que Lynda retornasse depois de sua viagem de carro, mas ela nunca voltou. Como uma mãe poderia simplesmente desaparecer assim e morrer? Algo estava errado; Edward havia prometido cuidar dele, mas, ao longo dos anos, sua mãe nunca mais voltou.

Foi nesse período que o adolescente ficou ainda mais perturbado, e uma entidade maligna pareceu tomar controle de sua mente. Seus pesadelos tumultuados se fundiram com sua própria identidade; de repente, ele não era mais o garotinho assustado de antes. Henry, por um instante, carregava uma profunda mágoa.

Após o homem casar-se com Carmen — uma mulher com um vislumbre e aparência californiana, belos cabelos castanhos escuros, olhos verdes esmeralda e seios fartos, em torno dos trinta e cinco anos — ele se tornou cúmplice das agressões, lançando palavras ofensivas e apagando qualquer vestígio de bondade. Edward mantinha o mistério sobre a ex-mulher, alegando ao filho que ela estava morta e enterrada, nada mais.

Lágrimas e gritos escaparam de Henry, sua cabeça balançando de um lado para o outro. Ao fundo, as risadas macabras da madrasta ecoavam. "Parabéns, Carmen, você fodeu com a minha vida!", ele murmurou, trancando-se para sempre em seu quarto. “Se eu tivesse a chance, queimaria esse hospício com você e seus filhinhos de merda dentro!”, suspirou, deitado em sua cama, cerrando os punhos nos travesseiros, enquanto pensamentos maldosos martelavam em sua mente.

Devido aos problemas em seu lar anterior e a um comportamento errático, Henry mudou-se para Swan Lake City, uma pequena cidade na fronteira com Michigan. Seu principal objetivo era se reabilitar e encontrar orientação. Suas tias eram devotas ao catolicismo, embora não se entregassem totalmente a um relacionamento amoroso entre ambas.

As mulheres tentaram compartilhar suas crenças com o sobrinho, mas não tiveram sucesso, já que Swan Lake estava longe de ser uma cidade confiável ou religiosa.

As tias tinham esperanças na capacidade de mudança de Henry e notaram o quão diferente ele havia se tornado. Com sorrisos animados, sentiam orgulho de suas próprias lições; Henry parecia ter transformado drasticamente sua atitude hostil, embora não soubessem que tudo não passava de um fingimento.

Nesse período, o pálido respirou fundo, criando uma distração em pleno final de verão, em meados de agosto, a fim de evitar a rotina vazia e não ser pego desobedecendo suas tias. Henry averiguou cada canto da atmosfera gélida da cidade. Mesmo sob o brilho do sol, um clima frio e melancólico pairava no ar. Em dias monótonos, o garoto frequentava bares, revelando-se alcoólatra e fumante nas horas vagas, agravando ainda mais sua mente devido à abstinência compulsiva de lítio.

Retornando finalmente ao presente, Henry relia a carta escrita por sua tia Gisele, que informava sobre seu novo lar. O motivo de ter sido retirado da casa anterior ainda era algo que demorava a recordar. Talvez o jovem estivesse ficando um pouco mais insano; quem poderia dizer? A única coisa que permanecia em suas memórias recentes eram suas mãos sujas de sangue e um cadáver frio em seu colo, o corpo plenamente morto em seu jardim. Henry só queria entender por que nunca o descobriram... Ele o matou? Acreditava que não.

Marchando com seus coturnos pela calçada cinza, Henry atravessou a rua e encontrou um táxi parado na calçada, finalmente chegando ao seu destino. Após pagar o taxista, sentiu-se aliviado, segurando uma mala a tiracolo na mão direita, enfrentando a chuva que caía sobre sua boina xadrez e o vento congelante que levantava seu escuro casaco de camurça. Parou diante de um casarão de estilo gótico, com um imenso portão. Metade da residência estava coberta por neblina, e ele mal conseguia ver os arbustos, que pareciam saídos de um livro vitoriano.

Henry não teve escolha senão considerar morar com sua outra família, caso quisesse evitar isso. Assim, mostrou-se curioso ao notar uma governanta idosa no meio do jardim, observando-o de longe.

Batendo palmas junto ao portão, Henry chamou a governanta, perguntando se a dona da casa estava presente. Ela caminhou até a entrada da residência e notou o jovem pálido, de cabelos pretos-azulados, vestindo trajes diferentes do habitual — uma camisa branca coberta por um colete de lã preto-acinzentado, calças justas, coturnos militares, casaco e boina xadrez. As mãos enluvadas seguravam um dos ferros. Ela nunca havia visto um adolescente tão elegante e excêntrico ao mesmo tempo. No entanto, seu olhar cabisbaixo já indicava a descrição que as conhecidas de sua patroa haviam compartilhado.

Ao perceber o olhar de desaprovação direcionado a ele, Albarn deu um passo à frente, esperando que ela o apresentasse ao seu novo lar.

— Presumo que seja o senhor Albarn. — disse a idosa, cruzando os braços automaticamente. O jovem à sua frente respondeu com um aceno. — Vejo que andou perdido pelas ruas. — comentou. — Entre, meu querido, senão vai acabar ficando doente.

— Muito obrigado por me acolher aqui. — ambos deram um aperto de mão, finalmente abrindo passagem para o garoto. — Onde está a senhora Grant?

— Melissa está a caminho. — disse a mulher de terceira idade, erguendo o cenho. — Chamo-me June, sou a governanta!

— Prazer em conhecê-la, June. — Henry anuiu, sorrindo de forma ladina e completamente cortês.

A aura emanava uma sensação tranquila, amplificada pela cor neutra da casa. A calma se traduzia nas gotas de orvalho que caíam sobre a roseira branca. O murmúrio suave da água escorrendo pela cascata de mármore proporcionava uma magnífica terapia, enquanto a escultura de Vênus de Milo evocava equilíbrio e bem-estar de forma intencional.

A família Grant sabia como cuidar de seu jardim, um espaço que parecia ter saído de um conto de fadas. Um balanço de madeira pendia alto de uma árvore, enquanto os lírios, em sua hesitação, demoravam a abrir. Contudo, a atenção de Henry foi capturada por uma voz doce e rouca entoando uma canção. Erguendo a cabeça em direção ao som do timbre rouco, ele vislumbrou uma descoberta intrigante na janela.

Seus olhos oceânicos quase saltaram das órbitas. Explorar outros recintos da casa já havia sido uma surpresa genuína, mas sua curiosidade despertou ao deparar-se com um jovem de pele branca e cabelos dourados, sentado no parapeito da janela, fixo em seu aspecto. As íris verdes do rapaz invadiram os tons azuis de Henry de uma maneira hipnotizante.

Então, esse era o dono da voz melancólica? O encontro entre eles era curioso, como se a mesma serpente que o diabo usou para manipular Eva estivesse enrolando o pescoço do pálido de cabelos negros, implorando para que mordesse o fruto proibido oferecido por aquela figura dourada. Entretanto, um coral celestial de anjos parecia impedir o pedido de Satanás, atraindo Henry irresistivelmente.

O loiro fitou-o e cessou sua melodia. A troca de olhares trouxe euforia, excitação e um desejo incontrolável. O corpo ansiava por avançar, mas ele permaneceu imóvel, incapaz de se mover.

Henry deduziu que aquele devia ser um dos filhos de Melissa Grant. As suspeitas foram confirmadas, e ele se perdeu em suas próprias fantasias... O dono da voz angelical parecia ser o alvo perfeito. Apenas um arqueamento de sobrancelhas, seguido de uma risada irônica, confirmou um flerte estranho com o rapaz.

Repentinamente, uma mão delicada tocou o ombro direito de Albarn e o sacudiu levemente, trazendo-o de volta à realidade e fazendo-o esquecer os pensamentos impuros que o consumiam.

— Este é nosso jardim. Muito bonito, não acha? — June fez o pálido concordar com a cabeça. Então, voltou-se rapidamente para a janela; o outro adolescente, aparentemente misterioso, havia saído.

— Oh, sim! É formidável — o garoto pensava, por dentro, por que eram tão austeros e pacientes com seus hóspedes. Devia haver um motivo convincente para suas tias o entregarem àquelas pessoas. — Há quanto tempo trabalha aqui?

— Já se completaram dez anos.

Henry se conduziu para entrar na sala, mas deu um passo para trás, quase colidindo com dois rapazes que aparentavam ser irmãos gêmeos. Para sua surpresa, reconheceu o loiro da janela, que agora usava uma camiseta de banda desleixada. Suas calças rasgadas no joelho e os tênis conferiam-lhe um ar rebelde. Um brinco brilhava em sua orelha direita, e seu rosto agora era mais perceptível pessoalmente. O outro gêmeo ao seu lado exibia um estilo idêntico, usando uma touca. Quando abriu a boca para falar, revelou um aparelho nos dentes tortos. Inacreditável, eles realmente eram gêmeos.

Os irmãos demonstraram uma certa desaprovação ao confirmar que a notícia de que a matriarca havia acolhido mais um hóspede era verdadeira. A privacidade deles seria comprometida novamente. O loiro lançou um olhar temeroso para trás, evitando encontrar o olhar do pálido. Entretanto, a governanta June chamou pelo nome "Billy" para dar as boas-vindas.

— Não seja mal-educado, Billy! — repreendeu o segundo rapaz, a voz carregada de uma autoridade que parecia ecoar nas paredes do ambiente. — Cumprimente o senhor Albarn.

— Como vai? — O garoto estendeu a mão em saudação. Sua pele estava gelada, apesar das luvas de couro que cobriam suas mãos. — Somos os filhos de Melissa. Meu nome é Billy, e este é o Brian — ele indicou o loiro, com uma insegurança que transparecia em seu olhar.

— Prazer em conhecê-los. — o tom seco de Henry causou um arrepio no outro gêmeo à esquerda. — Oh, Brian... Que belo nome!

— Obrigado. — Brian esboçou um leve sorriso, o embaraço tingindo suas bochechas. — Senhora Hopkins, então... Este é o rapaz que nossa mãe permitiu ficar aqui?

— Exatamente.

— Frequentamos o mesmo colégio — afirmou Henry, a voz firme, como se estivesse lançando um desafio. — Na carta que recebi, dizia claramente que eu estudaria com vocês na academia Chesterfield.

Foi nesse momento que Brian se mostrou mais intrigado:

— Curioso. Nunca nos vimos antes — Grant expressou surpresa, como se uma peça do quebra-cabeça estivesse faltando. — Enfim, vou te mostrar mais do nosso espaço. Dividirei meu quarto com você.

— Você tem certeza disso? — o outro Grant cochichou no ouvido do irmão, a desconfiança evidente em seu tom. — Ele não me parece alguém com quem você dividiria tão facilmente o seu quarto.

O loiro deu uma cotovelada nas costas do irmão, que teve um espasmo pelo susto, como se uma sombra tivesse passado por ele.

— Agradeço pela sua hospitalidade.

— Certo, então vamos entrar.

Henry concluiu a observação dos arredores, seguindo o trio até a sala de estar. O ambiente tinha um toque rústico, como se cada objeto ali fossem raridades. Ao atravessar a entrada, percebeu que estava pronto para se acomodar na casa — afinal, era o esperado. Mas uma sensação inquietante o acompanhava.




A PACATA MORADIA, IMPREGNADA COM AROMA DE CINZAS E UMIDADE, revelava uma sala mobiliada com peças usadas, como se o tempo tivesse parado ali. Tapetes ciganos, desgastados e desbotados, cobriam o chão, enquanto um piano imenso, coberto de poeira, parecia guardar segredos de melodias esquecidas. Uma estante repleta de clássicos da literatura barroca erguia-se como um monumento ao passado, suas lombadas empoeiradas sussurrando histórias de horrores e paixões perdidas.

Diante de uma pequena vitrola, que emitia um som suave e ansioso, uma seleção de discos famosos estava à disposição — clássicos do jazz e R&B, conservados em vinis e organizados em ordem alfabética, como se esperassem por um momento de glória que nunca chegaria.

Para Henry, o nobre garoto de roupas soturnas, aquele ambiente proporcionava a sensação mais reconfortante que já experimentara. Antigamente, na casa de seu pai, as janelas e cortinas permaneciam trancadas, como se o mundo lá fora fosse um lugar a ser temido. Ele era mantido em cativeiro, sem nunca ter a chance de dar um curto passeio pelo bairro.

Lugares esdrúxulos tornaram-se, para Henry, um abrigo familiar, onde o impacto de conforto e segurança aliviava suas ansiedades e alimentava seu ego ferido. Ele não se sentia um estranho ali; abraçava a paisagem da elegante vidraça da janela, que balançava sob o vento feroz e a tempestuosa chuva.

A residência, era um abrigo umbrífero e acolhedor, parecia moldada para ele, mesmo que os residentes não compreendessem sua serenidade.

Os jovens Grant notaram quando Albarn retirou a boina da cabeça, junto com o casaco, ambos pendurados no cabideiro próximo aos guarda-chuvas.

O pálido revelava um físico atlético, com ombros largos e braços robustos, um detalhe que o gêmeo de cabelos loiros não deixou passar despercebido, sentindo um rubor visivelmente explícito nas maçãs de suas bochechas.

Ambos irmãos evitavam interferir nos assuntos da mãe, cientes de seu trabalho como psicanalista. Reconheciam seu extenso histórico profissional e sua responsabilidade inabalável com pacientes marginalizados da sociedade.

Melissa acolhia os desamparados da região, capaz de identificar mentes perturbadas não apenas por suas faces, mas pelas vozes maléficas e hediondas.

Um método pouco convencional, mas eficaz, que ela usava em suas investigações. Entretanto, Brian não via aquele hóspede como uma ameaça a ser temida; ao contrário, sentia uma estranha atração pelo desconhecido, como se algo sombrio e fascinante estivesse prestes a se revelar.

No entanto, um fato intrigante aguçou os pensamentos de Brian quando soube que Henry frequentava a Chesterfield, a instituição conhecida por ser a mais negligente do estado. Apesar de ter um conhecimento profundo sobre a escola inteira, nunca tinha ouvido falar da presença de novatos, incluindo no ensino médio.

A Chesterfield usufruía da fama de ter estudantes dominantes e revoltados, formando tribos urbanas que ultrapassavam a estrutura democrática da instituição acadêmica. Os subgrupos impunham suas autoridades, e nenhum adulto — nem mesmo os diretores, a princípio — ousava intervir.

Após anos de estudo naquela escola, ninguém jamais mencionou ou falou sobre Henry. Brian cogitou que a ideia era que ele fosse apenas um aluno comum circulando pelo campus. Graças às suas ações, tornou-se um líder e, como tal, era responsável por manter seus seguidores sob controle.

Embora não gostasse muito de se gabar apresentando rígidas regras impostas, o fato de ser respeitado diariamente era uma consolação. Antes excluído, ele aprendeu a ter valentia, tornando-se dominante e voraz; ainda assim, possuía também suas fraquezas… a dor da paixão.

O loiro enfrentava dificuldades em manter relacionamentos por causa de um medo que o fazia temer entregar-se demais sem querer. Brian Grant não era heterossexual, pois seu coração e atração romântica coexistiam apenas com a preferência por outros rapazes, o que explicava de modo certeiro sua personalidade contundente.

Ele havia revelado sua orientação sexual no ano anterior, mas não o fizera abertamente perante a família. Seu irmão Billy descobriu o segredo ao flagrá-lo beijando um colega de classe do segundo ano nas arquibancadas, e prometeu para si mesmo guardar essa informação. A feição corada e as constantes reviradas de olhos mal disfarçavam seu interesse no hóspede.

A vontade conturbada com implícita tensão continuava tomando conta das concepções do adolescente loiro, será que realmente se apaixonou por Henry? Os dois provavelmente estariam mais próximos? Aquele semblante desesperado soube detalhar perfeitamente sua reação.

Sem dar muita atenção às palavras da governanta, Henry continuou a explorar os cômodos e os objetos raros e valiosos que preenchiam cada recanto. O lugar exibia uma elegância marcante em sua decoração. Ele apreciava as esculturas e os retratos emoldurados nas paredes cinzentas, que representavam paisagens e a extensa árvore genealógica da família, composta por bisavós, tataravós, avós, avôs, tios e tias.

A origem do sobrenome Grant pertencia a uma família rica e culta, cercada por mulheres elegantemente retratadas, cada uma com histórias notáveis. Por fim, o pálido sentou-se no sofá vermelho de couro, decidindo se acomodar ali, relaxando os braços e a cabeça.

Senhora Hopkins ofereceu a Henry uma xícara de chá, que ele aceitou. Com as mãos nos bolsos, ele esperava a oportunidade de pegar um maço de cigarros e fumar no escuro, mas conseguiu conter seu vício. Albarn cruzou as pernas, pegou o controle remoto da mesa de centro e ligou a televisão em um programa jornalístico.

Enquanto isso, nos fundos da cozinha, os gêmeos ajudavam as empregadas com as tarefas, mostrando que estavam longe de serem mimados. A dona da casa certamente aprovaria essa atitude. Os gêmeos ajudavam na louça, limpavam o chão, organizavam potes e, de vez em quando, serviam a sobremesa, como era o caso naquela ocasião especial.

Billy finalizou suas últimas tarefas quando, de repente, observou seu irmão com uma expressão levemente perdida, cobiçando casualmente a suspeitosa figura pálida atenta na solidão da imensa sala, totalmente hiperfocado no noticiário. Restaram talheres e pratos para serem guardados e secados, além das obrigações escolares que aguardavam. Melissa certamente ficaria descontente ao ver seu primogênito negligenciando suas principais responsabilidades.

Lentamente, o outro Grant virou-se para a frente e esperou pacientemente até que as empregadas terminassem de guardar os pratos. Depois de secar a sua parte, o moreno se aproximou do irmão, que levou um susto com a expressão incrédula no rosto do outro. O loiro engoliu em seco, voltando à realidade e afastando-se dos devaneios, encarando o que estava acontecendo de fato.

— O que está acontecendo contigo? Você está muito perdido. De repente, parou e não falou durante o serviço inteiro! — indagou, impaciente, com as mãos na cintura e em completo sarcasmo deliberado. — Vai finalmente conversar com ele e apresentar o seu quarto? Porque sua atenção nele está muito grande. Isso explica os pratos secados pela metade.

— Cala a boca… Eu só me distraí por um instante, nada demais — virou-se na direção do outro Grant, que esboçou uma risada amarga que saiu por seus lábios avermelhados. — Nem sempre me vejo dando de caras com um garoto bonito. Ainda mais… um tão diferente e instigante — suspirou levemente, chacoalhando a cabeça de um lado para o outro.

Billy tentava disfarçar seu riso, mas falhou:

— Que merda de desculpa é essa? — falou, desacreditado, boquiaberto, sem entender uma palavra sequer. — O cara nem chegou direito e já está secando ele.

— Deixa de ser ignorante! — Brian rebateu a resposta do irmão rispidamente. — O Henry parece ser confiável. Sinto que vamos nos dar bem… ou talvez não, sei lá. Ninguém é capaz de prever o futuro.

— Gostou dele? — o moreno perguntou, franzindo o cenho em interrogação.

— Não.

— Para de mentir, Brian! Sei muito bem que está mentindo.

A voz elevada assustou o loiro, engolindo em seco.

— Fala baixo! — sussurrou com o dedo indicador encostado entre os lábios: — A senhora Hopkins pode ouvir.

— Não fode. — Billy revirou os olhos indignado — Você é mesmo um precoce do caralho, mal se conheceram e já está querendo segundas intenções com o pobre rapaz, mas isso daí tem um cheiro de problema. — entonou o tom da fala em deboche.

— Desde quando começou a tomar conta da vida alheia? — bateu os pés, nervoso e com a garganta seca, negando a troca de olhares com o moreno teimoso — Achar bonito não quer dizer que quero imediatamente beijar ou namorar com ele.

— Quem sou eu pra duvidar de algo né?

Billy deu de ombros e retirou-se, subindo até seu quarto. O loiro, por não ter cumprido suas tarefas, foi repreendido por June, que lhe entregou uma bandeja com um bule de chá e biscoitos de chocolate. O rapaz endireitou a postura e aguardou qualquer comentário relacionado à situação.

— Entregue para o Senhor Albarn! — ordenou a idosa ao garoto. — Lembre-se de que um convidado merece cortesia. Assim, eu não contarei à sua mãe que você deixou os pratos na pia.

— Me distraí, peço desculpas pela falta de atenção — murmurou ele.

— Que isso não se repita! Sua mãe pode não estar aqui, mas eu estou! — exclamou ela, com o queixo erguido. — Agora vá!

— Sim, senhora Hopkins.

Brian estendeu os braços, relutantemente carregando a bandeja até a sala, seus passos se apressando em um andar sociável e elegante. Chegando finalmente à pequena mesa de centro, colocou a bandeja sobre o vidro e encheu a xícara com chá verde, decidido a sentar-se ao lado do outro jovem para manter uma conversa mais civilizada.

Ele permaneceu ali, parado e atento ao noticiário, tentando imaginar o que conversariam e quando o hóspede realmente perceberia sua presença. Observou as mãos longas do rapaz de cima a baixo; eram bonitas, sem mencionar seus cabelos ligeiramente úmidos pela chuva. A seriedade que ele irradiava no ambiente era algo admirável para Grant. Enquanto o silêncio pairava, Brian chegou a olhar ao redor, reprimindo seu impulso amigável, até que algo em sua perna direita o fez quase se arrepiar.

Os olhares de ambos se cruzaram, e seu coração quase pulou acelerado.

— É muita gentileza sua me oferecer chá e biscoitos — O hóspede sorriu animado tomando calmamente o chá adoçado. — Raramente sou bem recebido nos lugares que frequento.

— Já esteve em casas como a nossa?

Albarn fez que não com a cabeça.

— Diria que esta é a primeira residência na qual pude me sentir livre e confortável. — Endireitou a postura — Mas obrigada mesmo assim, você é uma boa pessoa.

— Não foi nada — A forma que o hóspede pegava na xícara era diferente, o dedo indicador segurava o meio. O som de mastigação irritava um pouco os ouvidos do jovem que estava ao seu lado. Ele era educado, antiquado, quieto. Que tipo de personalidade era aquela? — Minha mãe tem uns costumes diferentes das famílias de classe alta tradicionais, sempre foi rígida e cautelosa. Quando Billy e eu éramos crianças ficamos de castigo por uma semana e limpamos todo o jardim, foi o momento mais chato do mundo. — Ao compartilhar uma memória de sua infância, Brian deu um sorriso discreto. Ouvindo uma risada baixa sair de Henry.

— Sua mãe demonstra uma personalidade forte — o pálido cruzou uma das pernas de modo mais imponente. — Pena que estou ficando velho para entender a vida adulta, mesmo ainda estando na última fase da adolescência.

— Quantos anos você tem? — quis saber.

— Dezoito, e você?

— Também tenho dezoito — confirmou Brian. — Estamos realmente muito velhos.

A partir daquele ponto, a conversa não parou mais.

— Bom... mudando de assunto — interessado em saber mais sobre quem era Henry, o loiro considerou suas palavras por um momento, sem se apressar muito. — Você mencionou que também estuda em Chesterfield. Por acaso fez alguma amizade? Ou quase ninguém se importa com você?

Relacionamentos interpessoais eram fatores cruciais para construir uma boa reputação; no entanto, isso era veementemente complicado para Henry. No estado de Utah, o sistema de ensino público era constituído por alunos caóticos e hostis, enquanto os habitantes e responsáveis pela cidade eram amigáveis. Devido à sua memória curta, o pálido sequer se apega a amizades de longa data; em conclusão, todos repudiavam o garoto sem motivos plausíveis.

Albarn conviveu com os piores parentes. Seu medo era de que, se algo desse errado, isso o mudaria e o levaria à insanidade. Pessoas eram interessantes, mas perigosas… Henry encaixava-se nesse ciclo.

Quando iniciou o ano letivo na academia Chesterfield, não se sentiu inclinado a se envolver rapidamente. Limitava-se a estudar por horas; assim como todo jovem, estudos e deveres de casa eram irritantes e triviais. Enquanto morava com suas tias, a entrada do garoto no colégio havia deixado os professores aborrecidos por causa de sua conduta hiperativa e desatenta na sala de aula. Reclamações foram feitas devido a atrasos e notas abaixo da média — ele debandava dos arredores, ignorando os educadores.

Os primeiros dias em Swan Lake variavam de manhãs calmas a noites turbulentas. Henry era ausente e retornava para casa apenas em horários alternados, mas estava ciente de que nenhum adolescente deveria sair à noite devido aos boatos de desaparecimentos que circulavam pela cidade.

Três meses passaram-se velozmente. Ainda deslocado, sem amigos ou boa relação com seus colegas, era um menino de aparentemente dezessete anos, uniformizado nos tons escuros da instituição. Seus olhos eram castanhos, combinando com a coloração vívida de suas madeixas, e seu rosto era fino, com traços asiáticos. Usava uma armação de óculos de aros redondos prateados e calçava tênis brancos limpíssimos.

Apareceu estendendo as pequenas mãos de dedos finos para o pálido, isolado nas escadas, oferecendo sua amizade. Yoshida Takeshi Miller… Seu nome, falado por seus lábios, fez Henry conseguir não apenas um amigo — era uma vítima conquistada —, mas também foi o único a crer na existência dele.

Cogitando uma resposta adequada, pois o gêmeo indicava desconfiança em partes, sondando algum impasse que bloqueava as palavras de sua boca, os dois adolescentes mantiveram-se em silêncio, constatando os sons e ruídos vindos da televisão, que mostrava as notícias diárias. Para florescer o assunto de maneira mais confortadora, Henry sobrepôs a xícara de chá ao lado do prato de biscoitos, cobiçando devagar, separando a distância da destra, que pousou abruptamente no joelho de Brian.

Detalhar o assunto não era suportável:

— Honestamente, posso dizer para você que nenhum dos meus colegas queria se tornar meu amigo. Eu demorei muito para querer alguma tentativa de interação — os dedos das mãos remexiam ansiosamente. Foi quando Grant retomou a prestar mais atenção no hóspede. — De repente… conheci um garoto completamente diferente. Ele era gentil e muito educado. Nós dois acabamos falando bastante até que recebi a notícia de que ele desapareceu inesperadamente — murmurou, pressentindo o som da chuva. A ênfase no "desapareceu" causou um susto, fazendo as sobrancelhas escuras de Henry se sobressaltarem em um instante. O loiro não era detetive ou investigador, mas Henry havia presumido incompreensão.

— Você está falando sobre Yoshida Miller? O aluno do 3º ano A? — sanou a incerteza, embora não houvesse trocado nenhuma palavra com o garoto perdido. Após terminar o último biscoito, Henry balançou a cabeça positivamente. Em seguida, Brian aguardou que Henry fosse adiante no assunto.

— Ele… — tossiu, cobrindo a boca com a palma da mão esquerda. Lembranças bestiais alastraram-se no psicológico do jovem, imagens trêmulas de sangue escorrendo em um assoalho familiar e pedidos de socorro. Henry queria não lembrar do crime que cometeu. Todavia, precisava ser cauteloso com a informação. Prestes a ter um engasgo, obteve o apoio de um Grant preocupado, agradeceu sua preocupação e disse que estava se recuperando, logo voltando ao assunto. — Sim, ele mesmo.

— Esse menino era da mesma sala que o meu irmão, nunca faltava às aulas e já chegou até a ser representante — comentou o gêmeo, cada vez mais curioso. O que Albarn mais sabia sobre Yoshida? — O povo daqui inventa muitas histórias falsas a respeito dos desaparecidos. Uns disseram que sua última aparição foi no bairro Odile. Não ouvi toda a situação, mas, pelas investigações e teorias, uma pessoa clamava por socorro em uma tempestade. — Ao mencionar o bairro, Henry metamorfoseou a postura, mordiscando o lábio. Por fim, finalizando aquele tópico delicado, disse: — Quero ter a certeza de que ele está em algum lugar seguro.

"Em algum lugar seguro? Pobre garoto. Eu queria poder lembrar da vez em que iria salvá-lo de meus demônios e tocar naquele rosto novamente… Perdi a oportunidade de mantê-lo comigo. Me perdoe, mas ninguém é capaz de curar uma mente ferida. E nem mesmo um feito horrendo. Bom, se for realmente algo que fiz. E se eu mesmo fiz? Algo está querendo me dizer que me arrependo por ter feito?" Seu desconhecido segredo era vagamente extenso, apenas para os monstros doentes sedentos por sangue e ultraviolência.

Henry se perguntava em quem teria matado Yoshida; seria ele mesmo? Ou algum tipo de entidade que, por espontânea vontade, possuía seu corpo? Sempre se esforçava para acreditar que tal acontecimento não passara de um pesadelo.

— Creio que este caso não vai ser rapidamente solucionado. Somos uma nação com a bandeira de um país manchada de sangue através de guerras e crimes hediondos; nem sempre a justiça prevalece, e a sociedade glamouriza um psicopata e assassino em série — opinou, sem pausar. Henry declarava para si mesmo que, se Yoshida era uma vítima de desaparecimento, obviamente perderia a vida. — Yoshida deve estar descansando em paz no paraíso, um único lugar que imagino onde seu paradeiro deve estar.

— É assim que você pensa sobre seus amigos? Você não está preocupado?

Albarn mostrou um sorriso amargo, contendo suas lágrimas.

— Evito me preocupar. Nesse mundo, o que mais perdi foram pessoas boas — franzia a testa, admirando o semblante caído e confuso de Brian. — Infelizmente, poucos foram sublimes para mim.

— Por que? — Chegando mais perto do hóspede pálido, encostou sua destra em seu ombro, tão cabisbaixo em tamanho remorso. — Você pensa em algum caminho agradável de agora em diante?

— A vida é algo doloroso e insignificante enquanto um mundo repleto de pessoas ruins causa atrocidades variadas. Me ensinaram que, na porra dessa existência, nada é possível para manter uma perspectiva positiva. Também nada se trata de buscar vingança, pois o mal sempre será bem visto. Justificar um erro é a desculpa essencial para renascer em outra procura de destruição — ele destacou. — Eu busco reforçar esperanças e ignorar minhas fraquezas. Quero ser melhor e perfeito em uma sociedade quebrada e fodida. Yoshida era meu melhor amigo, mas sei que ele não pôde escapar de se tornar uma vítima.

Os discursos insensíveis, carregados de ódio e tristeza pela perda de uma pessoa, mal puderam ser compreendidos pelo morador da residência. Ele não discordava nem concordava com suas frases emaranhadas — controvérsias, hostilidade —, soltando pistas claras de comoções dolorosas sob um sofrimento vasto. Um aperto no coração de Brian lhe incentivou a cuidar daquela alma melancólica.

— Henry, vai estar tudo bem com ele, garanto para você. — Uma voz monótona acalmou o hóspede. Sentindo aquela mão pousar em seus cabelos molhados e recebendo afagos ao virar-se para Brian, lágrimas saíram de seu rosto, conduzindo-o para um abraço. Albarn tinha um choro rouco, mas não evitou abrir um sorriso exagerado ao olhar para a parede.

— Obrigado novamente — acariciou seu rosto, deixando a aproximação mais intensa. — Desculpe-me se estou te assustando…

— Vai dar tudo certo, confie em mim — o tranquilizou. — Saiba que o bem sempre prevalece. Não precisa ser tão negativo. Há coisas melhores e mais saudáveis. Expressar-se dessa forma é perigoso!

— Quer me ajudar? — sugeriu.

— Até poderia, mas não sou um profissional e sequer conheço sua vida. Minha mãe estará presente e fará de tudo para ajudá-lo. Desabafar faz bem; qualquer coisa, pode falar comigo que eu te escuto.

•••


Na verdade, o garoto não sabia totalmente como aconselhar seu hóspede; ambos tinham suas diferenças, mas eram capazes de se converter em almas distintas.

Brian e Henry largaram suas tristezas de lado, estando lado a lado, finalmente em silêncio.

As distrações dos garotos foram interrompidas quando a porta de entrada se abriu, evidenciando uma figura alta e loira no corredor, que aparentava ser a senhora Grant. Melissa tinha longos cabelos dourados, quase alcançando o final das costelas, uma silhueta fina, lábios cor de cereja e uma aparência jovem e impressionante para a sua idade.

O aspecto e a beleza dos irmãos Grant eram realmente hereditários, e a semelhança entre o filho de cabelos claros e a matriarca era notável.

Melissa possuía um estilo casual, usando brincos de diamantes azuis e saltos altos, acompanhados por um vestido preto de mangas longas, que parecia ter vindo de alguma loja de alta classe. Sabia ser elegante, embora tivesse poucas sardas no rosto e usasse batom vermelho exagerado em seus lábios grossos.

Guardando o guarda-chuva ao lado da porta, a mais velha caminhou até a sala, observando o hospede — também seu paciente — ao lado de seu filho. Ela não esperava que aquilo ocorresse tão rápido. As tias do rapaz alegaram que ele era manipulador e ameaçador, mas ela confiava em sua intuição, recusando-se a crer que ele fosse cruel, assim como todos os loucos que teve o desprazer de atender ao longo dos anos.

Embora segurasse suas apreensões como psicanalista, Melissa cumprimentou-o sem mostrar desrespeito de sua parte:

— Boa tarde, Henry! — os dois deram um aperto de mão respeitoso. — Vejo um bom sinal de convívio entre vocês dois. Está gostando de nossa casa? Sei que teve uma boa recepção de June; ela sempre consegue prometer excelentes anuências.

— Certamente estou. Prevejo que me darei muito bem — Albarn sorriu suavemente, beijando delicadamente a mão da psicanalista. No entanto, sua conduta educada não convenceu a mulher como ele imaginou. — As cozinheiras fizeram biscoitos deliciosos; depois, Brian e eu conversamos um pouco.

— Brian geralmente é introvertido — viu o filho virar o rosto para o outro lado, não querendo falar com a matriarca por vergonha. — Sobre o que estavam conversando?

— Sobre coisas relacionadas ao aluno desaparecido — anunciou o hóspede. — Uma história ainda sem novidades.

— Oh… — revirou os olhos. Sabia a verdade, mas negou-se a complementar o papo. — Entendi.

— Mas notei como todos estão acolhedores aqui. Estou ansioso para compartilhar minha vida com vocês.

— A casa agora também é sua!

— Er… mamãe, onde a senhora estava? — Grant interrompeu a conversa entre os dois. — Trabalhando?

A senhora Grant limpou a garganta após o gêmeo fazer a pergunta inocentemente. Os filhos não sabiam que Henry era um paciente insano; em contrapartida, acreditaram na possibilidade de ele ser alguém que sofre de depressão profunda ou neurodivergência.

— Querido, você sabe que a minha vida profissional é particular — retorquiu, numa carranca austera, com os braços cruzados sob o peito e os cabelos jogados para frente. — E quanto a você e seu irmão? Não o vi quando cheguei.

— Billy subiu para o quarto — Brian contrapôs, por fim. — Henry e eu vamos dividir o mesmo quarto; ele também mencionou que é estudante da Chesterfield. — O fato impressionou sua mãe, que pensava que o rapaz estivesse afastado dos estudos. — De qual cidade você era mesmo? — voltou-se para Albarn.

— Era de Cottonwood West, fica no Utah — riu orgulhosamente, cruzando as pernas em uma posição com a coluna reta no sofá, desistindo da postura torta. — Morei por seis anos com meu pai e madrasta, para ser específico.

— O seu pai é uma pessoa legal? — questionou Brian.

— Não me sinto confortável para falar sobre isso.

O adolescente usou um tom de voz seco, olhando nos olhos da mulher e do garoto. Melissa arqueou as sobrancelhas, surpresa com sua reação.

— Desculpa.

— Relaxa, você não tem culpa de nada.

— Se é assim — Brian passou a mão nos cabelos, pegou um pano úmido e limpou a mesa de centro. Em seguida, pegou a bandeja e a entregou a uma das empregadas que estava arrumando a estante. — Eu também vou subir; apareço na hora do jantar.

Henry levantou-se de supetão.

— Posso ir com você? — solicitou, receoso. — Preciso organizar minhas coisas.

— Melhor irem depressa! — Ao olhar para o relógio de bolso que tinha, um presente de puro ouro, Melissa notou que já eram quase seis da tarde. O jantar estaria pronto em breve. — Todos nós iremos jantar. Espero que sejam pontuais, e não esqueça de avisar ao seu irmão — direcionou-se ao loiro.

— Sim, senhora — anuiu, deslocando-se na escadaria e pressionando o corrimão. — Vou avisar, fique tranquila.

— Precisa de algo mais, senhora Grant? — Henry, atencioso, demonstrou ser responsável, mesmo que ela não fosse sua mãe. — Fico honrado em ajudá-la.

— Depois, passe na minha sala quando terminar de almoçar — Melissa ordenou, já que estava preparada para tratá-lo. — Estarei te aguardando pacientemente.

— Certo.

A dupla de garotos trocou olhares e suspirou ao mesmo tempo. Subiram uma escada e percorreram um corredor com várias portas. Algumas estavam abertas, outras fechadas, e havia quartos especiais onde as maçanetas estavam quebradas. As paredes eram acinzentadas e o forro do teto, branco, era enfeitado por um lustre de cristais.

Conduzindo sua mala em mãos, o novo hóspede alcançava os passos de um Brian que ostentava cada dormitório.

O outro gêmeo, deitado em sua cama e usando fones de ouvido, lançou um olhar nervoso a Brian quando sentiu os passos do hóspede se aproximando e adentrando seu quarto. O ambiente tinha um ar suave e rústico, apesar dos cartazes que cobriam a parede. Havia duas camas de solteiro, um sistema de som, instrumentos musicais e um guarda-roupa antigo pintado de preto.

— Pronto, aqui é onde vamos ficar — o mais alto anunciou, com as íris esmeraldas fixas nas oceânicas. — Saímos para a escola às oito, depois ajudamos na cozinha, e às seis jantamos. Essa é a nossa rotina diária.

Brian passou as informações de forma simplificada, e então caminharam juntos. O loiro abriu a janela sem demora, mostrando a tamanha beleza do céu com a forte rajada do vento. Henry encarou os demais objetos; entretanto, uma fotografia de uma modelo saída de alguma famosa revista erótica estava caída no tapete, e ele se perguntava de quem a imagem pertencia.

Cutucou as costas do rapaz, que virou-se para o hóspede rapidamente:

— Isso é seu? — apontou para a foto borrada, sem saber o que poderia ser. — Não precisa se envergonhar; desculpe se estou sendo invasivo.

— O quê? Mas que merda é essa? — olhou incrédulo para a mulher encorpada, completamente nua, deitada em um tapete felpudo. Deduziu que fosse coisa de Billy e sua mania de invadir o quarto do irmão para pegar algum instrumento emprestado. — Billy! Quantas vezes tenho que te dizer para parar de entrar no meu quarto e jogar suas putarias fora daqui?! — gritou, abrindo a porta do terceiro quarto e jogando o pertence do moreno em cima dele com muita raiva e nojo.

— Ei, como isso foi parar aí?! — inquiriu, abaixando-se para pegar aquilo que havia perdido. — Puta merda… Foi mal.

— Seu punheteiro! — ergueu o dedo médio em forma de xingamento. — Traga esse lixo pro meu quarto que vou contar para a mamãe que você tá comprando revista pornográfica com identidade falsa de novo! — O assustou; Billy rodopiou os olhos, extremamente nervoso.

— Eu não sou o único punheteiro daqui! — debochou em tom provocativo, com as mãos na cintura, vendo as bochechas do irmão tornarem-se rosadas. Ele realmente não estava mentindo. Brian desfrutava de manias de se masturbar quando passava pelo banheiro, relembrando os atletas sarados tomando banho após os treinos. — Toquei na ferida, né? Mas beleza, sei o quanto você odeia peitinhos! — mostrou a língua.

— Vai se foder!

Como último gesto, Billy mostrou o dedo do meio e trancou a porta do quarto. A raiva passageira de Brian surpreendeu o hóspede, que ficou com as bochechas coradas após a menção íntima do loiro, mal conseguindo respirar. Henry ouviu toda a conversa, percebendo como aqueles irmãos agiam quando estavam juntos.

— Tudo bem? — Albarn não mostrou muito interesse no que havia acontecido; contudo, seria grosseria se não fosse compreensível.

— Sim — relaxou os ombros. — Billy é foda. Adora ficar me provocando; é um babaca. Quase repeti de ano por causa dele.

— Estou acostumado com discussões. — Henry colocou a mala na cama, ainda conversando com o loiro, enquanto organizava seus utensílios e colocava as roupas no lugar. — Meus irmãos são crianças, então nunca tive problemas com eles. Se eles fossem mais velhos, entenderiam que intimidade é algo relativamente normal.

— Eu quase não falo sobre isso — Brian suspirou, sentando-se na cama macia com lençóis finos. — Sabe, eu posso parecer durão, mas pouca gente sabe quem eu sou de verdade.

— Quer me insinuar que Billy é um cara bobo e imaturo, enquanto você é responsável e sério? — deu uma risada divertida, vendo-o sorrir discretamente.

— Exato — riu em conjunto. — Bem... O único problema com o qual eu me preocupo em falar é que... não sou heterossexual, por assim dizer.

— Como assim? — Henry perguntou, curioso. — Você é gay? Algo desse tipo?

— Sim, eu gosto de garotos — confessou, revelando um ponto fraco. — No ensino fundamental, muitas garotas queriam namorar comigo, mas eu sempre recusei. Só percebi que era gay no ensino médio… Não tenho certeza se devo contar para minha família abertamente.

— Acho que não precisa se envergonhar em relação a isso. Admito, também gosto de garotos — Albarn tirou o colete, ficando apenas com a camiseta branca, apoiando-a na cabeceira de sua cama. — Com garotas, nem sempre me dou bem, mas elas são interessantes também.

— Não escolhi totalmente ser gay, mas acho que ninguém me entende melhor do que os garotos — cruzou as pernas, meio desajeitado. Henry abria e fechava os olhos, usando a posição de lótus ao se aconchegar no colchão. Grant fez o mesmo encostando o dorso da destra no rosto. — Minha mãe nunca falou de nosso pai e nem me interessa tanto para ser sincero.

— Você é um cara tão bonito; não vejo por que se bloqueia tão emocionalmente. — O elogio encantou o jovem, que sentiu ainda mais batidas prolongadas em seu peito. Henry era muito intimidador. — E sobre seu pai, ele que se foda.

— Verdade, foda-se ele — concordou com Albarn. — Quanto a você? Como foi que sobreviveu para chegar até aqui?

O pálido balançou a cabeça, tentando negar a pergunta, mas encorajou-se por causa do rapaz.

— Minha família simplesmente não se esforçava para me entender — deu de ombros. — Na verdade, eu ousaria dizer que sofri muito mais! Sabe, enfrentei muitas adversidades ao longo da vida: sofri bullying no colégio, minha mãe fugiu de casa e foi assassinada inesperadamente, e meu pai investiu a vida dele por uma vadia egoísta. Ele me abandonou em Swan Lake com minhas tias. Elas eram chatas e rígidas; não sei por que me tratavam tão mal. Fui obrigado a tomar remédios fortes e, por um tempo, os comprimidos deixaram de fazer efeito.

— Ah, sinto muito pelo que você passou.

— Relaxa, estou me sentindo melhor agora. Você me fez bem; adorei conhecer você. — O sorriso dele ainda mais o saciava. Era tão puro e inocente, o oposto de Yoshida, além de ser um rapaz perfeito.

— Que tal ouvirmos alguma música? — apontou para o aparelho de som com alguns CDs empilhados. — Gosta de ouvir o quê?

— Tem algum álbum do The Smiths?

— Não sou muito de escutar, mas posso abrir uma exceção. — O loiro procurou em sua coleção bagunçada. — Hatful of Hollow. Acho que este serve! — inseriu o CD no rádio, reproduzindo a melodia post-punk das canções que costumavam tocar.

O hóspede virou-se para a janela de seu novo quarto, através de passos côncavos, sentindo uma nostalgia enquanto via o sol se pôr e fechava os olhos. A tranquilidade e a privacidade não o impediram de pegar um cigarro que estava guardado em seus bolsos, puxar o maço e, com um isqueiro em mãos, acender a chama para observar o sol desaparecer.

Brian levantou-se da cama e também decidiu aproveitar a vista noturna perto da alma atormentada. Eles se acalmaram enquanto soltavam a fumaça. Tinham sentimentos semelhantes, a sensação de estarem juntos até o final, mesmo que não se conhecessem completamente. Observaram o céu escuro, fecharam os olhos e entrelaçaram os dedos das mãos, enquanto o vento frio entrava pela janela.

Brian abraçava-o enquanto ambos dividiam seus cigarros, aquela personificação de um cisne negro se deparando com o caminho de um cisne branco. Eram quase feitos um para o outro.

Ficaram ali juntos, como se suas vidas dependessem disso. A tempestade estava criando um turbilhão de tragédia de maneira enigmática.

Brian, infelizmente, não sabia que seus braços envolviam o corpo do próprio diabo.



Continua...



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Nota da autora: Sem nota.








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