A respiração dela era ofegante, quase tão alta quanto o som dos seus passos desesperados sobre as folhas secas da floresta. O vento cortante da noite soprava entre as árvores, mas não o suficiente para abafar o som que mais temia — os passos pesados, ritmados, que a seguiam de perto. A cada passo que dava, o medo apertava-lhe o peito, tornando mais difícil correr. No meio da escuridão, os olhos da garota tentavam desesperadamente encontrar uma saída, mas a floresta parecia não ter fim, com sombras distorcidas por todos os lados.
Um estalo. Ela parou abruptamente, segurando a respiração e com os olhos arregalados. Virou-se lentamente, sabendo que não devia, mas era incapaz de não o fazer. Foi então que o viu novamente, a figura alta e encapuzada, com um facão nas mãos, e ele se encontrava mais perto do que antes.
Sem tempo para pensar, ela recomeçou a correr, sabendo que, no silencio daquela noite interminável, ele estava lá. Apressou seus passos, sabendo que faria mais barulho do que antes, mas não tinha uma alternativa. Choramingou, sabendo que a sua maquiagem estava toda borrada ao redor dos seus olhos, e era uma das suas menores preocupações.
Se aproximou de uma árvore, escondendo-se nela. Manteve seu corpo grudado no tronco, e tentou olhar entre os galhos. Engoliu seco e levou uma das mãos até a boca, pois achava que seu choro poderia ser ouvido. Não viu nada, nem de um lado, nem de outro.
Estava segura, pensou.
No entanto, ao se virar tomou um susto que fez com que seu corpo petrificasse. A figura se encontrava diante dela, observou sem ter o que fazer, ele levantar o braço e passar o facão entre o seu corpo. Engasgou no próprio sangue, sentindo o gosto metálico na boca, o frio tomou conta do seu corpo e ela cedeu.
Foi jogada de lado como um saco de lixo e o mascarado voltou a caminhar, segurando mais firmemente em sua arma e indo em direção ao acampamento determinado em fazer mais vítimas.
A ruiva ouviu o seu nome ser chamado mesmo usando os fones, retirou o arco da cabeça, com Goo Goo Dolls tocando Íris em um volume aceitável, e o colocou envolta do pescoço. Parou de pedalar ao apoiar um dos pés no chão, o qual usava um allstar amarelo.
Olhou na direção em que a chamavam e um sorriso brotou em seus lábios.
— Oi, ! Está indo para a aula?
O moreno colocou as mãos nos bolsos do agasalho cinza que usava e concordou com a cabeça, fitou a garota a sua frente com seu rosto coberto de sardas, achava adorável. deu um pulo da bicicleta e começou a andar ao lado, enquanto empurrava.
— Você conseguiu dar um jeito? Vai conseguir ir? sempre tem um plano! — prontificou o rapaz rindo, fazendo com que a garota risse também.
Com um apertar de botão, desligou o walkman com a fita que havia conseguido gravar da rádio há algumas semanas. Um vento mais intenso a atingiu, fazendo com que seus cabelos ficassem bagunçados e ela tirasse alguns fios do seu rosto.
Ainda pensando no que havia ouvido de , ela era a pessoa que sempre tinha um plano?
Sendo filha de quem era, a garota precisava ser assim. No passado, a sua mãe passou por uma situação traumática, nunca entendeu direito, pois a mais velha não era muito de falar a respeito.
Ao chegar na escola com a fachada em tijolos vermelhos, colocou a bicicleta no lugar correto, assim que se abaixou para que colocasse a corrente nas rodas, uma sensação ruim cresceu em seu corpo, fazendo com que o coração apertasse, e mesmo com os fios vermelhos tapando parcialmente a sua vista, algo apareceu em seu campo de visão ao olhar por cima do seu ombro.
Do outro lado da rua, enquanto os carros passavam, os alunos chegavam e o ônibus escolar se mantinha em movimento, uma figura que parecia ser masculina, usava uma máscara branca a fim de tapar o seu rosto. franziu o cenho, sentindo algo em seu estomago e continuou olhando. Até que um carro passou e ela se sobressaltou com um toque em seu ombro.
— Oi, bobona.
Fechou o cadeado e colocou-se em pé, fitando a melhor amiga que possuía um sorriso angelical e com seus cabelos azuis se moviam por conta de uma rajada mais intensa.
— Oi, bobona.
— Nem acredito que essa é a nossa última sexta-feira de aula antes das férias. — possuía certa empolgação em sua voz.
ainda estava com o coração na boca.
— E no Domingo nós vamos...
O sinal tocando e fazendo um barulho alto fez com que a fala de saísse cortada, fazendo rir. Passou um dos braços pelos ombros da amiga, e dessa forma caminharam juntos para a entrada da escola.
Ainda sim deu uma olhada para o mesmo local de antes e nada viu, a sensação continuou ali, por pouco tempo, mas continuou.
De fato, a ruiva se sentia empolgada pelo fim das aulas. Não aguentava mais o terceiro e último ano, a sensação era que nunca acabaria aquele pesadelo de ser quase uma universitária e viver com a pressão da sua mãe em encontrar uma faculdade próxima a New Beginnings.
— Que horas hoje? — ouviu falar com ao seu lado e abriu o armário, sorrindo imediatamente.
Viu uma foto do trio, uma polaroid tirada há alguns meses em um dos jogos do interclasse que teve no início do ano, os três com os rostos pintados com as cores da sua turma. Com uma das mãos, alcançou uma apostila de Física e soltou um suspiro.
—... Né?
Após fechar o armário, se virou para os amigos e franziu o cenho.
— Né, o que?
— Vamos ver filmes de terror hoje. Combinamos há semanas. — respondeu calmamente.
Olhou para e , intercalando de um para o outro. Soltou um suspiro e concordou com a cabeça, começando a andar pelo corredor enquanto outros faziam o mesmo apressadamente e dirigiram-se até a sala de Física. Ela odiava essa disciplina. sempre pensava: quem em sã consciência gostava de exatas? Era quem vinha em sua mente.
🔪🩸
jogou uma pipoca dentro da boca, ouvindo o estralar do milho e manteve os olhos grudados na pequena TV com antenas da sala na casa .
— Todos nós enlouquecemos um pouco às vezes. — A frase foi dita no filme que estavam assistindo aquela noite, Pânico. ´
— Não. Acredito! — a voz de saiu baixa e a garota olhou para os amigos ao seu lado ligeiramente. — Ele é o assassino?
— O filme tá terminando, shh! — sussurrou de volta.
A ruiva segurou uma risada, voltando a jogar várias pipocas dentro da boca. Seus olhos vidrados na tela, as cenas aconteciam rapidamente e ela adorava esse filme, já havia visto várias vezes desde que chegou na locadora próxima a sua casa, até chegou a pedir um poster.
— Quero ver o próximo! — os olhou com um sorriso nos lábios.
— Vamos ver no acampamento! — deixou o balde de pipoca sobre a mesa de centro ao lado de um vaso cheio de rosas da sua mãe.
— Sério?
alcançou a lata de Coca Cola, em temperatura ambiente e trouxe até a boca, bebendo um gole generoso.
— Essas coisas que aconteceram no passado. Seus pais falam a respeito? — indagou baixo e os olhou ao seu lado.
Notou travar a mandíbula e olhar para as mãos. Suspirou e voltou a deixar a lata em cima da mesa, colocando uma mecha dos seus fios vermelhos e lisos atrás da orelha.
— Tudo bem, não precisa...
— Minha mãe não gosta de falar a respeito. — a outra murmurou. — Ela sempre diz que foi traumatizante.
a fitou por longos segundos e acenou rápido com a cabeça. A mãe dela também não conversava a respeito do que havia acontecido. Sabia mais pelos outros do que pela própria mãe sobre a noite e madrugada fatídica de Julho de 1980.
— Querem ver o próximo? — as olhou dando de ombros, tentando amenizar o clima estranho que havia se formado.
— Prometi a minha mãe que voltaria cedo. — se levantou, passando as mãos pelo short amarrotado.
— Achei que ela estivesse de plantão hoje. — a olhou.
— Essa hora ela já deve ter voltado. — Murmurou ao olhar para o próprio relógio no pulso — Vejo vocês... se der tudo certo no Domingo.
Não deu tempo para que os amigos respondessem, apenas saiu em passos rápidos em direção a saída, mas sem antes pegar a mochila que havia jogado por ali. Os olhou antes de fechar a porta e foi até a sua bicicleta que se encontrava no chão em frente da residência.
Um miado alto assustou , que se virou bruscamente. A respiração tornou-se ofegante, e fechou os olhos assim que distinguiu o animal andando por cima da cerca, com uma habilidade invejável.
— Gatinho. — Seu tom de voz era baixo, por conta da respiração ofegante. Engoliu seco e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, devido ao vento.
Ajeitou a mochila com cuidado em suas costas e jogou as madeixas para frente, sentindo o cheiro gostoso do xampu que havia usado no banho mais cedo.
O ponteiro maior e menor do seu relógio se encontrava no 11 assim que montou em sua bicicleta e começou a pedalar pelas calçadas desertas de New Beginnings. Apertou as mãos envolta do guidão, travando a mandíbula ao movimentar as pernas e focou em como as folhas, ao chão, se movimentavam por conta deu uma rajada mais intensa.
O vento batia em seu rosto, bagunçando seu cabelo e deixando sua boca ainda mais seca. Aumentou a velocidade das pernas ao notar uma esquina, teria que atravessar a rua ligeiramente. Virou a cabeça, olhando do outro lado da rua, apenas algumas casas estavam com as luzes acesas. Voltou a direcionar seu olhar para frente.
Ao chegar na esquina, ambos os lados foram verificados, por mais que não ouvisse barulho de carro algum, não sabia o que poderia acontecer. E sua mãe sempre lhe ensinou, olhar para os dois lados antes de atravessar, e assim que fez isso, sentiu o corpo dar um tranco rápido em um buraco no meio da rua.
— Merda!
Suas mãos bambearam, mas conseguiu manter-se firme, apertando o freio de leve para que não caísse e se equilibrou ao chegar na calçada. Voltou a pedalar mais rápido e ao virar o rosto e olhar a rua deserta por cima do seu ombro, uma figura tomou a sua visão.
tremeu as mãos, bambeou novamente a roda da frente para a direita e esquerda, quase caindo, no entanto, normalizou. Manteve seu olhar na figura, um pouco distante, cerca de duas casas de onde estava, com uma máscara branca ocultando seu rosto
Engoliu seco, percebendo a figura iniciar passos mais rápidos em sua direção. Fez o mesmo, pedalando de forma mais ligeira, até que o seu pé escapou do pedal e desesperou-se. Seu coração, que já batia forte, foi sentido na boca. A ruiva seguiu com as mãos suando no guidão da bicicleta, observou a aproximação, não sabendo como, encaixou seu pé em cima do pedal e o moveu o mais rápido que pode.
Sua perna reclamou, mas ignorou. Olhou por cima do ombro, com a respiração alterada e seus fios vermelhos a atrapalhando. De repente, direcionou seu olhar para frente, assustando-se com um carro que saia de uma garagem abruptamente, desviou, quase perdendo o controle da bicicleta e por breves segundos achou que fosse cair e se machucar.
— Porra! — gritou ao segurar fortemente no guidão e cambalear, sem ter como evitar, sua perna exposta por conta do short, bateu no para-choque e a dor a invadiu momentaneamente.
Mesmo sentindo um incomodo ao movimentar, continuou a pedalar. Tentou mais uma vez olhar pra trás, e nada viu. Avistou a sua casa distante ao lado esquerdo, e atravessou a rua, voltando a calçada e finalmente chegando. Largou a bicicleta de qualquer jeito, tropeçando no pneu e jogou a mochila pra frente.
De novo, sua íris percorreu a rua deserta. Sem olhar o que fazia, abriu o zíper e tateou buscando pela chave de casa. A respiração ofegante, misturado com o bater forte do seu coração, a deixavam sem folego. Assim que encontrou, pegou com firmeza o molho de chaves e abriu a porta de supetão, a fechando na mesma velocidade.
Puxou o ar ao passo que fechava os olhos. Largou a mochila por ali e sua mente estava como uma TV fora do ar, não passava nada. Era como se estivesse com a antena ruim e precisasse regular.
— ?
A ruiva deu um pulo, virando-se em direção de onde a voz vinha. Viu a mãe no topo da escada, com as sobrancelhas arqueadas e passou a língua pelos lábios.
— Onde você estava, filha? — Desceu as escadas apressadamente.
— Cheguei da casa do . Estávamos vendo filmes de romance. — Mentiu, sabendo que a mãe odiava filmes de terror.
A ruiva notou a mais velha acender as luzes na parede no fim da escada e se aproximar. A cicatriz na bochecha da sua mãe era evidente, no começo da maçã do rosto até o canto da boca, e a fitou nos olhos, sabendo que ela não gostava que olhassem para uma marca que ela possuía desde 1980.
Uma mecha vermelha foi colocada atrás da orelha da jovem e ela sorriu fechado, sentiu o afago da mãe em sua bochecha e suspirou baixo.
— Mãe...
— Eu tenho uma coisa para te mostrar.
estranhou, deixou que a mãe fosse na frente em direção a cozinha. A acompanhou, mantendo seus passos lentos, contudo, sentia as pernas tremulas e ao chegar no outro cômodo, já com a luz acesa notou algo em cima da bancada. Seus olhos encontraram um papel.
— Eu assinei.
New Beginnings High School
Autorização para o Acampamento de Verão Colorado
Pai ou responsável que aceita que seu filho se divirta durante três semanas no melhor acampamento do país. Favor assinar no campo indicado e será entregue a um dos responsáveis.
não conseguia acreditar. Pegou o papel em mãos como se aquilo fosse ajudá-la e leu no mínimo três vezes todas as palavras que constavam ali. Virou o rosto, olhando a mãe com um sorriso crescendo em seus lábios, mas sua mente trouxe memórias de instantes.
Aquela máscara. A forma como a figura andava em sua direção. Engoliu seco.
— E aí, você está feliz, filha? — a mãe se aproximou, mexendo em seus fios.
— Não vou. — respondeu ligeiramente e deixou o papel sobre a bancada, pensou no que poderia dizer, sabia que a mais velha lhe bombearia com perguntas. — Não vou te deixar sozinha.
E sem esperar que a mãe falasse mais alguma coisa, se virou, saindo da cozinha, passando pela porta de entrada e pegando sua mochila. Subiu as escadas, quase tropeçando ao chegar no topo e em passos largos entrou em seu quarto, fechando a porta.
Poderia ser a sua mente cansada lhe pregando peças. Mas, e se não fosse?
— Você falou com ela? — questionou sentada ao lado de em um dos bancos do ônibus que os levaria para o acampamento.
O ambiente tomado por jovens fervorosos e ansiosos pelas próximas semanas. As conversas paralelas não paravam, assim como os risos altos, a forma como alguma coisa era dita e até como seus corpos se moviam diante de uma fala. Tudo era motivo para que parecessem elétricos.
— Oi? — tirou seus olhos da janela e virou-se para a garota de cabelos azuis ao seu lado.
— Falou com a ? Ela vai vir?
O loiro apenas deu de ombros com seu coração em batidas descompassadas. Isso acontecia sempre que ouvia o nome de . Engoliu seco, voltando seus olhos para a janela e dando uma boa olhada no céu, azul, sem uma nuvem. Novamente ouviu a voz de .
— Será que ela vai vir?
A partida foi dada e nesse instante direcionou seu olhar para , com rapidez focou no relógio em seu pulso e eram quase 18h. O primeiro pensamento foi se levantar, no entanto a coragem beirava ao negativo. Sustentou o olhar da amiga e os dois pensavam a mesma coisa, até que o ônibus freou depois de pouco de locomover.
Ambos tiveram a mesma reação com suas sobrancelhas juntando-se em cima dos seus olhos e compartilharam um olhar, que se manteve até que a porta do corredor abriu.
— . Não faz mais isso! — o motorista disse de um jeito divertido.
Um alívio gigantesco tomou conta do coração de e os batimentos cardíacos de aumentaram consideravelmente assim que colocou os olhos na ruiva, que sorriu para ele.
— Desculpa, senhor Matthews.
foi puxada por , e sentou-se desajeitadamente no colo da amiga, com a mochila nas costas. Riu disso e colocou uma mecha dos seus fios vermelhos atrás da orelha.
— Por que você não ligou para mim ou , sua idiota?
— Desculpa. Ontem quando — o olhar de se perdeu por alguns segundos e negou com a cabeça — Não sabia que a minha mãe ia deixar. — Forçou um sorriso rápido ao se direcionar a eles.
— E ela realmente deixou? Achei que você fosse forjar a assinatura dela, igual quando matou aquela maratona de aulas de Matemática. — deu de ombros e soltou um riso rápido.
— Ela deixou. — Suspirou.
— . Você não pode viajar sentada no colo da . Algum de vocês precisa achar outro lugar para se sentar. — A professora de Biologia deles disse, assim que se virou para trás e olhá-los por cima do banco.
— Mas... — .
— Mas nada. — Riu a mais velha.
O trio trocou olhares rápidos, e estava pronta para se levantar. No entanto, levantou uma das mãos e riu.
— Vou deixar as meninas conversarem. Eu me sento com o Martin. — o loiro murmurou ao olhá-las e ligeiramente direcionou seu olhar ao amigo.
Do outro lado do corredor, com a cabeça encostada na janela do automóvel, Martin dormia com a boca aberta como se estivessem viajando há horas. O rapaz voltou a olhar para as amigas e sorriu.
— Não falem mal de mim.
— Não posso prometer nada. — Os três riram juntos após a fala de , e a professora riu também, retornando à posição anterior. ocupou o lugar que era anteriormente do amigo e deixou a mochila em seus pés.
— Animada? — a garota de cabelos azuis abriu um sorriso que mostrava quase todos os seus dentes.
A ruiva queria dizer que sim. Se essa pergunta tivesse sido feita antes do que aconteceu na noite anterior, ela diria que sim, com certeza sim. Nas últimas semanas contou os dias para que chegasse o final de semana no qual viajariam para o acampamento, no entanto, uma sensação estranha e pesada predominava em seu peito.
— Sempre. — Sua boca se moldou em um sorriso, não era sincero, mas não poderia decepcioná-la, faria perguntas.
— Vai ser um acampamento inesquecível. Pode apostar! — afirmou ao pegar em uma das mãos da amiga.
— Não tenho dúvidas. — apertou a mão dela de volta, engolindo seco.
O caminho até a floresta, onde o acampamento havia sido montado, foi bem rápido. As amigas conversaram o tempo todo, e tentou de todas as maneiras afastar os pensamentos negativos que insistiam em atormentá-la, deixando seu peito cada vez mais apertado.
A cidade ficou para trás, e a janela do ônibus deu lugar às árvores e à vegetação. Com o barulho do motor, não dava para ouvir os pássaros, mas ela sabia que isso mudaria em poucos minutos. Os olhos azuis da garota percorreram a imensidão ao redor e um arrepio percorreu sua coluna. Tentou ao máximo deixar aquela sensação ruim de lado. Lakeview Camp era o nome escrito na placa de entrada, feita com madeira envelhecida, com letras brancas em caixa alta. O ônibus parou alguns segundos depois, e todos os alunos se levantaram ao mesmo tempo, cheios de ansiedade para aproveitar as semanas que estavam por vir.
— Tenho fome. — fez um bico antes de se levantar.
Pacientemente, e a garota de cabelos azuis, esperaram que todos saíssem para que pudessem fazer o mesmo.
— Acha que vamos jantar logo?
Assim que desceu do ônibus, sentiu o impacto do ar fresco e úmido da floresta — um contraste revigorante. O cheiro de terra molhada misturado ao perfume dos pinheiros invadiu suas narinas, despertando algo antigo e instintivo, como se tivesse voltado para um lugar que sempre conheceu, mesmo sem nunca ter estado ali.
De início, o acampamento se revelava entre as árvores altas e densas. As cabanas de madeira escuras distribuídas em semicírculo, com telhados inclinados cobertos de folhas secas e musgo, como se fizessem parte da própria floresta. Algumas tinham fumaça saindo pelas chaminés, o que trazia um leve aroma de lenha queimando no ar.
O chão coberto de folhas caídas e pequenas trilhas de terra batida serpenteavam entre as construções, desaparecendo entre as árvores. Ouviu o som distante de água corrente — talvez um riacho próximo — e o canto agudo de um pássaro que não sabia nomear. A luz do sol filtrava-se por entre as copas das árvores, criando manchas douradas que dançavam sobre o chão.
Seu peito se encheu de uma estranha mistura de ansiedade e receio. Havia algo estranho naquele lugar, como se o tempo ali se movesse de forma diferente. Um arrepio subiu por sua nuca — de frio, de anseio, ou apenas felicidade. Ela soube, naquele instante, que aquele verão mudaria tudo.
— ! — a professora de Biologia, que falou com anteriormente se aproximou. — Trouxe a sua autorização? Sua mãe assinou?
— Ah sim! — a ruiva concordou prontamente, e jogou a mochila para frente. Em um dos compartimentos pegou o papel dobrado apenas uma vez e entregou nas mãos da mais velha.
Recebeu um sorriso da outra, como se confirmasse que tudo estava certo e ajeitou a mochila em suas costas, sentindo a presença de ao seu lado. Passou os olhos pelo local, com um sorriso em seus lábios, o batimento cardíaco aumentando em seu peito. Composto por casas de tijolos rústicos, aconchegantes e bem equipadas.
— Vamos ficar juntas! — entrelaçou seu braço no da amiga.
Todos os alunos foram designados para o refeitório, onde aconteceria a separação dos times que iriam participar das gincanas nos próximos dias. Seu interior era espaçoso, com mesas comunitárias de madeira onde se sentariam juntos.
Ao entrar no local, sentiu um arrepio se intensificar, mesmo com o calor insuportável que fazia, deu uma olhada ao redor antes de se acomodar, as vozes aumentadas somadas as risadas faziam com que a ruiva fizesse uma careta. Colocou a sua mochila sobre a mesa e distraidamente foi para abrir o zíper, no entanto, uma voz chamou a atenção de todos.
— Lakeview Camp, silêncio! — o professor Newton, de Matemática, aumentou seu tom de voz grave. Em questão de segundos, o silencio foi tomando conta do local e agradeceu mentalmente.
Foram divididos entre time vermelho e azul, como acontecia costumeiramente nos acampamentos.
— Não acredito que vamos ficar juntas! – murmurou empolgada assim que se sentou ao lado da amiga.
sorriu para , e ao virar o rosto na direção da janela algo chamou a sua atenção. Aquela pessoa com a máscara da noite anterior. Ali. Diante dos seus olhos. Do outro lado da janela. Não conseguiu desviar e custava a acreditar no que via. As mãos espalmadas na mesa de madeira, a respiração tornando-se ofegante e o coração triplicando de batimentos a cada segundo.
Engoliu seco, tudo silenciou de uma hora para outra. O refeitório diminuía de tamanho conforme os segundos passavam, e sentiu uma gota de suor descer pelas suas costas em uma lentidão quase dolorosa.
Forçou a piscada uma. Duas. Três vezes. Até que não havia mais nada.
— ?
Se sobressaltou ao sentir o toque da amiga no seu ombro e a olhou, franziu o cenho, pois pela primeira vez em minutos voltou a ouvir o barulho do local com as conversas e risadas paralelas.
Engoliu seco pensando no que havia acabado de acontecer. Olhou de um lado para o outro como se certificasse que estava tudo bem com ela.
— Você tá branca. O que foi? – questionou e olhou na direção onde a amiga olhava anteriormente. — O que você viu?
E se ela contasse? Talvez pudesse ajudá-la, afinal, como a sua mãe, a mãe dela passou pela mesma coisa naquele fatídico acampamento. Analisou a feição da amiga e viu que as sobrancelhas dela estavam unidas.
— Vi um dos garotos nos espiando e abaixando as calças. – respondeu tão rapidamente que ela mesma acreditou em suas palavras, teve medo de voltar os olhos para a janela.
Sua mente estava lhe pregando peças, certo? Primeiro na calçada enquanto ela voltava de bicicleta para casa na noite de ontem.
— Quem? – a garota de cabelos azuis questionou.
Ainda com os batimentos cardíacos persistentes, voltou a sua atenção para frente, onde um dos professores avisava a respeito dos horários de café da manhã, lanche e jantar, que deveriam ser cumpridos rigorosamente.
A secura da garganta ainda não havia passado ao mover os dedos, sentindo certo incomodo. E se fosse verdade? E se o que aconteceu há anos estivesse próximo a acontecer novamente? Os olhos da ruiva percorreram o local, pensando no que fazer. E se ela contasse aos amigos? Não poderia lidar com isso tudo sozinha.
— , nós precisamos conversar. – a olhou e usou um tom de voz sério.
Continua...
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